MIL NOVECENTOS E OITENTA E SEIS
Na extensão do quarto não há senão
um lençol vermelho e a mulher.
A cama, ao fundo, e a lâmpada acesa
não são mais que motivos para prender
a atenção.
Dou dois passos absolutamente vacilantes.
O lençol vermelho é de um cetim que cega,
um brilho extenuante.
Mas eu quero ver, quero ver a mulher.
Na extensão do lençol de cetim
a mulher não vacila.
Parecendo
que dorme, tem um sorriso nos lábios,
desconhecido.
Dou dois passos na sua direcção.
Paira no ar um perfume quente,
quase sólido, que me embriaga a ponto
de a querer ou de a matar.
Quero, quero ver a mulher, em toda
a extensão do quarto, surpreender-me
com o fascínio da oferenda, os seios breves
no lençol vermelho, de cetim,
esse sorriso,
assim desconhecido.
A pouco mais de um passo, tocando-a
ao de leve,
sinto que a carne não é carne
nesse momento intenso,
a carne é a visão do desejo sobre um lençol vermelho, de cetim,
em que a lascívia se amplia
e o desencontro
se entrega à claridade da extensão do quarto
para que o crime se consuma
e eu use, cegamente,
este punhal.
( in Açogue, Corunha, Espiral Maior, 2009)
Foto: © de Amadeu Baptista
As palavras que busco são tão comuns, temo pecar contra tua poesia.
ResponderEliminarTão rica e profunda sabes?
Meu abraço