domingo, 31 de julho de 2011

Vida adulta / 14

MIL NOVECENTOS E OITENTA E SEIS



Na extensão do quarto não há senão

um lençol vermelho e a mulher.



A cama, ao fundo, e a lâmpada acesa

não são mais que motivos para prender

a atenção.



Dou dois passos absolutamente vacilantes.



O lençol vermelho é de um cetim que cega,

um brilho extenuante.



Mas eu quero ver, quero ver a mulher.



Na extensão do lençol de cetim

a mulher não vacila.



Parecendo

que dorme, tem um sorriso nos lábios,

desconhecido.



Dou dois passos na sua direcção.



Paira no ar um perfume quente,

quase sólido, que me embriaga a ponto

de a querer ou de a matar.



Quero, quero ver a mulher, em toda

a extensão do quarto, surpreender-me

com o fascínio da oferenda, os seios breves

no lençol vermelho, de cetim,



esse sorriso,

assim desconhecido.



A pouco mais de um passo, tocando-a

ao de leve,

sinto que a carne não é carne

nesse momento intenso,

a carne é a visão do desejo sobre um lençol vermelho, de cetim,



em que a lascívia se amplia

e o desencontro

se entrega à claridade da extensão do quarto

para que o crime se consuma

e eu use, cegamente,



este punhal.



( in Açogue, Corunha, Espiral Maior, 2009)


Foto: © de Amadeu Baptista

1 comentário:

  1. As palavras que busco são tão comuns, temo pecar contra tua poesia.
    Tão rica e profunda sabes?

    Meu abraço

    ResponderEliminar