domingo, 3 de julho de 2011

Eu, na infância / 12




MIL NOVECENTOS E SESSENTA E CINCO



No ano de 1965

estou a ler Dostoievski

e os grandes mestres russos

e começo a perceber

que não há uma só Sibéria

ou uma única guerra colonial que nos ameaça.



O Zé está de partida

nas Devesas para o barco

que o há-de levar a Moçambique

e o ar da estação devassado

por lágrimas e gritos.



Entre a multidão

que se atravessa à frente

do comboio para prolongar o último adeus,

a última despedida,

encontro-me eu,

pequeno na desgraça,

em busca de auxílio.



Alguém que passa,

ao ver o meu terror,

pergunta-me de onde sou.



E eu,

com um soluço imenso preso na garganta,

respondo que dali,


é dali mesmo que sou.




(in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)

 

Foto: © de Amadeu Baptista

1 comentário:

  1. Palavras sentidas... de imensa riqueza.

    Bom dia Poeta Amadeu

    É um prazer apreciar tua obra.

    Carinhoso abraço.

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