sexta-feira, 8 de julho de 2011

A adolescência / 3




MIL NOVECENTOS E SESSENTA E OITO



A adolescência, às vezes,

volta os olhos para bulícios ocres,

é nostálgica como a mancha húmida

na parede do quarto,

como se o adolescente sentisse

que pode morrer

sem desejar a morte.



Nesse sentimento arborescente,

então se subjaz,

passando o dia a descobrir

as incandescências sinfónicas

que lhe ampliam os ouvidos,

tocando com as mãos,

até ao estrago,

a colecção de selos,

ou marcando com os dentes a fotografia

da correspondente longínqua,

que fala gaélico ou iídische,

embora não saiba, ainda,

que coroação de sons e de sentidos

pode haver numa língua,

em qualquer língua.



À noite,

o adolescente

tem, ainda, um medo subliminar,

que lhe entretece um sem número de culpas

para não ir para onde quer,

o que o faz ir partir os vidros da escola

com grandes pedras,

que zunem no ar.



A adolescência paga, assim, o seu tributo,

mesmo sem o pagar,

arrostando nas diminutas aventuras

o sal que se acumula

na desobediência

e na transgressão.



Depois, o adolescente vem da rua

com um milhafre em cada mão,

atira-se para a cama em voo planado,

despe as calças

e afaga,

entre as pernas,

exactamente o nervo disputado

ao clarão

adivinhado.



Seguindo-se que adormece

sem ter sono.



(in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)


J. Brahms, 'Wiegenlied', Op. 49, N.º 4 - Vienna Boys Choir:



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