MIL NOVECENTOS E SESSENTA E OITO
A adolescência, às vezes,
volta os olhos para bulícios ocres,
é nostálgica como a mancha húmida
na parede do quarto,
como se o adolescente sentisse
que pode morrer
sem desejar a morte.
Nesse sentimento arborescente,
então se subjaz,
passando o dia a descobrir
as incandescências sinfónicas
que lhe ampliam os ouvidos,
tocando com as mãos,
até ao estrago,
a colecção de selos,
ou marcando com os dentes a fotografia
da correspondente longínqua,
que fala gaélico ou iídische,
embora não saiba, ainda,
que coroação de sons e de sentidos
pode haver numa língua,
em qualquer língua.
À noite,
o adolescente
tem, ainda, um medo subliminar,
que lhe entretece um sem número de culpas
para não ir para onde quer,
o que o faz ir partir os vidros da escola
com grandes pedras,
que zunem no ar.
A adolescência paga, assim, o seu tributo,
mesmo sem o pagar,
arrostando nas diminutas aventuras
o sal que se acumula
na desobediência
e na transgressão.
Depois, o adolescente vem da rua
com um milhafre em cada mão,
atira-se para a cama em voo planado,
despe as calças
e afaga,
entre as pernas,
exactamente o nervo disputado
ao clarão
adivinhado.
Seguindo-se que adormece
sem ter sono.
(in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)
J. Brahms, 'Wiegenlied', Op. 49, N.º 4 - Vienna Boys Choir:
J. Brahms, 'Wiegenlied', Op. 49, N.º 4 - Vienna Boys Choir:
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