Inês Ramos, poeta convidada
Uma sequência de 7 poemas inéditos de Inês Ramos:
Às vezes recupero a lucidez
e reconheço que nada posso alterar.
Num tapete de tristeza vou bordando a vida
com nós e remendos.
Depois dos silêncios regresso e recupero o fôlego
embora não seja capaz de um discurso onde
a felicidade brilhe.
Espero todas as noites à ombreira da porta
algo que desconheço
até que desisto e me recolho
para dormir mais um pouco.
Cega, toco as palavras com os dedos
feridos das facas que arranquei da garganta.
De que serve a garganta se as palavras não saem?
Para que serve caminhar, se não sei para onde?
Tropeçando, vou penetrando as sombras. E a morte.
Trago à cintura todas as minhas cordas.
Tudo está longe. Impossível regressar.
Vem, ao entardecer. Quando a primeira estrela rasgar
o céu e os cavalos marinhos mudarem de cor.
Banhei-me na dor das ondas e a minha alma agoniada
soltou todos os monstros sombrios. Penteei meus longos
cabelos com os dentes da serpente e vesti uma túnica de lua.
Assim purificada te espero com sandálias
de espuma. Para ti teci um tapete de algas e sobre
ele as tuas asas tocarão as minhas antes do amanhecer.
É preciso esquecer-te, esquecer as horas
claras das manhãs a teu lado
é preciso caminhar de novo pelo cais
e não recordar mais nada.
Esquecer os risos, as lágrimas
as esperas, a raiva, os teus olhos.
Esquecer o teu nome, os teus dentes
na minha carne, esquecer quem tu és
e esquecer quem eu fui, cortar
a golpes de machado as noites
do teu corpo no meu.
Arrancar da pele o teu cheiro, não mais
lembrar o dia dos teus anos, a rua onde moravas
o teu hálito, o som dos teus passos
os poemas lidos, os poemas escritos.
É preciso esmagar a memória, fazê-la sangrar,
rasgar as fotografias, as cartas,
sair deste corpo e esquecer-te.
Nas minhas pernas os soluços, no meu pescoço
os teus dentes, no teu corpo meu avesso. Enquanto dispo
as estrelas cubro-te de sementes que adoçam as feridas
e curam todo o sofrimento do mundo. Derrubamos todas
as taças, rompemos os tecidos e rolamos na areia imaginada.
Na desordem da matéria somos apenas frágeis libélulas concebendo
poemas. Entro nas tuas várias formas enquanto danço ao luar.
E o mar traz-nos rosas de vinho e lava-nos as entranhas.
Guarda-me nas tuas mãos e não me deixes cair, toca o meu rosto
ardente, limpa-me as lágrimas e leva-me clandestina, mesmo
que dure um segundo, mesmo que não dure uma vida.
Esquecer os risos, as lágrimas
as esperas, a raiva, os teus olhos.
Esquecer o teu nome, os teus dentes
na minha carne, esquecer quem tu és
e esquecer quem eu fui, cortar
a golpes de machado as noites
do teu corpo no meu.
Arrancar da pele o teu cheiro, não mais
lembrar o dia dos teus anos, a rua onde moravas
o teu hálito, o som dos teus passos
os poemas lidos, os poemas escritos.
É preciso esmagar a memória, fazê-la sangrar,
rasgar as fotografias, as cartas,
sair deste corpo e esquecer-te.
Sei que não vais dizer mais nada. E eu também
nada mais posso dizer, um adeus é um adeus.
Aqui fiquei, inútil sentinela, no jardim que secou. Acendo
fósforos e queimo memórias olhando a porta entreaberta
no esquecimento dos dias.
A chuva entra pela janela que esqueci de fechar
já não importa
o vento partiu os vidros e invadiu o quarto
sacudiu as cortinas, os papéis
teu roupão atrás da porta
o teu cheiro.
O tecto e eu escurecemos de bolor.
Fotos: © de Amadeu Baptista, com excepeção da foto da A., que lhe pertence; © dos poemas da A.
Inês Ramos nasceu no dia 22 de Agosto de 1965, em Agualva-Cacém. Mantém, desde 2006 o blogue sobre poesia “Porosidade etérea”, onde divulga os poetas e os seus livros. Foi responsável pela recolha, selecção e organização da antologia de poesia “Os Dias do Amor”, para a editora Ministério dos Livros, com poemas de 365 autores, editada em Janeiro de 2009.
Inês poetiza a tristeza de uma maneira bela; como se a tristeza não fosse pálida. Um abraço, Yayá.
ResponderEliminarmuito bom saber da poesia de inês... muitos parabéns!!!!!!!
ResponderEliminarGostei imenso deste poema! A Inês tem força quanto baste e sabe conter-se no momento exacto em que, continuando uma frase, a poderia estragar.
ResponderEliminarGostei mesmo muito.