terça-feira, 12 de julho de 2011

Iannos Ritsos


Três poemas de Iannos Ritsos

CORRECÇÃO

    O último reflexo da tarde iluminava-lhe
a página aberta, enquanto se preparava para escrever
algo sobre o mar ou as casas fechadas. Mas assustou-se,
não fosse alguma das suas palavras apagar da página
o resplendor rosa-dourado do ocaso.
Fechou, pois, o caderno, acreditando
que assim guardava intacto
o seu rosado e impecável silêncio. Na manhã seguinte
olhou aquela página. E estava branca,
imensamente branca como o vazio esticado,
pondo a sua própria debilidade a descoberto. Por isso,
com um gesto que lhe escondeu os olhos,
escreveu à pressa estas palavras:
“O silêncio não é rosa, é branco.”
E via todo o branco atrás da página
como uma estátua despida sob uma fina cortina.



O OUVIDO E O NÃO OUVIDO

    Um brusco movimento inesperado, a sua mão
apertou a ferida para conter o sangue,
apesar de não termos ouvido nenhum disparo
ou silvo de bala. Após um instante,
baixou a mão e sorriu.
Mas de novo apoiou lentamente a palma
sobre o mesmo lugar, tirou a carteira,
pagou nobremente ao estalajadeiro e saiu.
Então a chávena de café partiu-se sozinha.
Isto ouvimos claramente.



ELABORAÇÃO

     Dia a dia ficava desarmado. Primeiro tirou o vestido,
mais tarde a roupa interior, depois a pele
e depois a carne e os ossos, até que por fim
ficou esta simples substância cálida e limpa
que ele mesmo, invisível e sem mãos, modelava
fazendo pequenos cântaros, poesia e pessoas.
E é possível que entre elas estivesse a sua própria.




Versões minhas - © Amadeu Baptista


Iannos Ritsos nasceu na Grécia a 1 de Maio de 1909. Aderiu ao Partido Comunista Grego, em 1931. Publicou Tractor, em 1934, inspirado no futurismo de Maiakovski. Devido às suas ideias políticas, algumas das suas obras foram queimadas em público. Foi internado em vários campos de reabilitação. No entanto, a sua produção poética é imparável, com dezenas de títulos. Em 1956, é-lhe atribuído o prémio nacional de poesia pelo livro Sonata ao Luar. Conjuntamente com Giorgios Seferis e Odysseus Elytis, é considerado um dos mais importantes poetas gregos do século XX. Faleceu a 11 de Novembro de 1990.


SPIRO CARDAMIS & DREAMBAND - Thelo Na Tho:

1 comentário:

  1. Gostei do poema que fala que o silêncio é branco, e no entanto, é pausa também. Uma excelente escolha. Um abraço, Yayá.

    ResponderEliminar