MIL NOVECENTOS E SESSENTA
É injusta a comparação do corvo
entre os ramos da tília branca
com a morte.
Mas o meu primeiro contacto com a morte
tem um pouco dessa coincidência,
em que um rumor amplia a memória
e um vulto saltita de sombra em sombra.
Eu tinha sete anos
e ia a caminho de algum lugar
para comprar pão, laranjas, ou o que fosse
que escreveram num papel.
De súbito, vi
um vulto e uma mancha branca
a passar à minha frente,
seguidos de um estrondo.
Na esquina onde agora há um restaurante
e era a mercearia
corria o sangue
e dois corpos, lado a lado,
jaziam no chão,
caídos pelo vigor
da velocidade estonteante
e a desatenção.
No ar ficou um cheiro intenso a borracha queimada
e gasolina
e a roda dianteira do motociclo ligeiro
rodava ainda quando cheguei mais perto
com o papel do recado
entre os dedos, franzinos,
insuportavelmente franzinos
para tão brutal desgraça.
Então, compreendi;
tal como a morte,
a vida é
debalde.
(in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)
Realmente, foi uma lembrança triste até mesmo para os versos. Um abraço, Yayá.
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