sábado, 4 de junho de 2011

Jorge de Sena, 33.º aniversário da sua morte




TRASLADAÇÃO DOS OSSOS DE JORGE DE SENA

De Santa Bárbara chegaram os ossos do poeta
que a pátria exilou. Uns pulhas de um assim chamado Ministério
da Cultura, que não dão à poesia a mínima importância,
ergueram-se a esse gesto como se não se soubesse
quanto os poetas detestam, como tantas e tantas vezes
foi provado e a paródia eleiçoeira, desta vez,
fez promover, não por amor aos versos, certamente,
mas para marcar a determinação da pequenez
em que todos morrem de fome da fartura enfatuada
desta gente. A ocasião, como é comum dizer-se,
faz o ladrão, e a estes não escapam as oportunidades
que o brio predador lhes aconselha, sujando tudo em volta,
dando a tudo o que é grande a represália de sempre,
tal como a todos os poetas já fizeram,
tal como fizeram ao Botto e agora ao Sena fazem, que esperou
mais de trinta anos para que a terra portuguesa de vez o afeiçoasse,
notando-se que como clandestino aqui chegou, agora,
não pela obra dele ou os seus actos, mas pela solerte ratice da canalha
que nunca subirá a púlpitos para pedir desculpa do mal que nos tem feito
e à poesia sempre odiará por lhe saber o fantástico poder que a cilindra.
Brancos os ossos chegam às exéquias da trasladação que por demais tardou
e não há corais de crianças das escolas a entoar-lhe cânticos,
não se promove gente a ler-lhe os livros, não se lhe divulga a obra,
nem os telejornais abrem com a notícia da chegada justa,
a todos convocando não só a que assistam e aprendam, mas que usem
a sua arte de música e de palavras para ampliar a verdade e a liberdade,
o corpo e os sentidos, a dignidade de resistir a tudo,
por mais que o vilipêndio se prolongue e se não salde nunca a dívida.
Não é para admirar. De humilhações, exílios e imbecilidades sofreu Jorge de Sena
durante toda a vida e este misto de preito e de omissão está na linha
do que a pandilha execrável é capaz, tratando-se de dar com uma mão
para tirar com a outra, como é próprio do descaramento e do oportunismo
que, imparável, os há-de condenar ao esquecimento de nunca terem nome,
nem espinha dorsal, nem verticalidade, nem ossos que alguma vez possam
passar por nossos.


(in Pena Ventosa, n.º 1, Amarante, 2009)

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