quarta-feira, 1 de junho de 2011

Eu, na infância / 1

A propósito do Dia Mundial da Criança, um poema:




MIL NOVECENTOS E SESSENTA E UM

Aprendo a ler e a escrever.

O tê tem uma haste coruscante.

O éle é o ramo de cerejeira,
que ainda não está florido,
completamente estendido para o inverno.

O éme é um movimento rudimentar,
lento na cabeça e na boca,
justo como uma aflição.

O agá é todo um mistério de vida,
um mestre do disfarce,
e lembra, apesar de tudo, uma chávena de café
fumegante.

O cê é como um peixe,
muito diferente do cê de cedilha
que é, também, um peixe, mas de outra dimensão,
um peixe que habita as grandes fossas oceânicas
e reluz no escuro.

O xis, continua a ser uma incógnita,
como um terceiro incluído na agitação
do mundo.

O éne, faz cócegas.

O i é termos ido ontem jantar fora e eu ter gritado alto
por ter visto uma máscara grega.

O ésse é uma bola de sabão.

O pê pouca importância tem, há mesmo quem o não use
quando escreve o meu apelido,
mas, ainda assim, é de uma presença avassaladora.

O érre, claro, é um enxame de abelhas
que produz mel e cera
para nosso contentamento.

Aprendo a ler e a escrever,
quer dizer,
aprendo a sentir com mais força
a desobediência.


(in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2008)

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