terça-feira, 7 de junho de 2011

Iannos Ritsos, dois poemas


Dois poemas de Iannos Ritsos:



SEMPRE

Começamos uma conversa – fica a meio.
Começamos a construir um muro – não nos deixam terminá-lo.
E a nossa canção, dividida.
Tudo acaba no horizonte.

Sobre os oleados passam em manadas as estrelas
às vezes cansadas, às vezes amargas, no entanto seguras
pelos seus caminhos, e pelos nossos.

E o dia, até ao mais injusto, deixa-te no bolso
uma bandeirinha azul e branca da festa do mar,
deixa-te uma rabanada de ar limpo
deixa-te na vista a graça dos olhos
que contigo olhavam a mesma pedra,
que repartiram por igual a mesma dor, a mesma nuvem, a mesma sombra.

Tudo temos repartido, camaradas,
o pão, a água, o cigarro, a pena, e a esperança.
Agora podemos viver ou morrer
singelamente com beleza – com muita beleza –
do mesmo modo que abrimos uma porta à manhã
e dizemos bom-dia ao sol e ao mundo.





PREPARADOS

Passo a passo com as tendas encosta acima,
sempre a direito até ao céu,
a lona cravando-se na pedra,
a pau com a intransigência,
com o arpão do sol cravado no rosto.

Vão e vêm os dias, as pedras inalteráveis.
Rara vez passa algum barco, uma nuvem –
deixando atrás de si a sua escassa sombra,
uma pequena janela aberta para os anos da árvore.
Nada se altera.
Nem o coração nem a pedra mudam.

É de pedra a cama onde dormimos,
de pedra o  pão em que afiamos os dentes,
de pedra o braço onde a noite apoia a sua barba.
Não pode o vento levá-la.

A tarde dobra a sua bandeira vermelha.
De novo dormiremos com um pedra entre os dentes,
com as asas do nariz marinheiro no bordo da nossa orelha.

Venha o que vier agora, camaradas,
encontrar-nos-á com os pertences ao ombro
com todo o nosso coração dentro do saco
dando e dando voltas a nossa firmeza à Jura da Democracia
assim como damos voltas com o nosso dedo à botoeira do casaco de um amigo,
não porque não tenhamos nada para dizer.

Será que amamos muito – e assim é sempre.
Enquanto amamos não podemos falar.
Brincamos entre os dedos com uma ramo de oliveira.
Gravamos no chão um nome,
sempre o mesmo e estamos preparados,
sempre em nome da liberdade.

Versão minha - © Amadeu Baptista





Iannos Ritsos nasceu na Grécia a 1 de Maio de 1909. Aderiu ao Partido Comunista Grego, em 1931. Publicou Tractor, em 1934, inspirado no futurismo de Maiakovski. Devido às suas ideias políticas, algumas das suas obras foram queimadas em público. Foi internado em vários campos de reabilitação. No entanto, a sua produção poética é imparável, com dezenas de títulos. Em 1956, é-lhe atribuído o prémio nacional de poesia pelo livro Sonata ao Luar. Conjuntamente com Giorgios Seferis e Odysseus Elytis, é considerado um dos mais importantes poetas gregos do século XX. Faleceu a 11 de Novembro de 1990.

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