terça-feira, 14 de junho de 2011

Iannos Ritsos, um poema

    



ACONTECIMENTOS





    Chegaram as enfermidades, as diarreias, os tétanos –

levávamos os doentes em macas às latrinas

levávamos os mortos em cima de tábuas até ao pequeno porto

e aí, mal caía a noite, carregavam-nos nos barquinhos até Lavrion.

Os exilados tiram o gorro, apertam os dentes e olham o mar,

não falam, olham para longe, para além de Sunion

até ao anoitecer e o vento debate-se com a manta do morto,

este incessante vento que se debate com a soleira da porta,

que revolteia os espinhos e os papéis das retretes

perseguindo os barcos, enchendo os bolsos de paisagens partidas,

que separa o osso da carne – o grande vento

que desata os nós das estrelas e ata os nossos corações.



   Uma cama, duas camas – quantas camas ficaram vazias

e os talheres dos mortos recolhidos num monte

como um punhado de estrelas sem nome,

e a lua virulenta gritando toda a noite o seu medo

como se abre e se fecha na obscuridade uma velha fresta de janela

e os bordões da noite ao lado da cozinha com os restos de batata

e a tristeza amontoada ao lado do medo, e próximo do nosso coração.



    Acalma-se o vento,

ouvimos como se despenham as pedras na montanha,

ouvimos as botas dos mortos 

e mais além as botas da liberdade,

subindo do outro mundo.


Versão minha - © Amadeu Baptista





Iannos Ritsos nasceu na Grécia a 1 de Maio de 1909. Aderiu ao Partido Comunista Grego, em 1931. Publicou Tractor, em 1934, inspirado no futurismo de Maiakovski. Devido às suas ideias políticas, algumas das suas obras foram queimadas em público. Foi internado em vários campos de reabilitação. No entanto, a sua produção poética é imparável, com dezenas de títulos. Em 1956, é-lhe atribuído o prémio nacional de poesia pelo livro Sonata ao Luar. Conjuntamente com Giorgios Seferis e Odysseus Elytis, é considerado um dos mais importantes poetas gregos do século XX. Faleceu a 11 de Novembro de 1990.

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