sábado, 11 de junho de 2011

Nuno Dempster


Nuno Dempster, Poeta Convidado


 Três poemas:








  
MODO
 

É claro que o seu corpo nu seria
lindo, se já o é sob o vestido.
No entanto, há qualquer coisa que não tem
para que o ache completo.
A cama, o fim da cama é que lhe falta,
e também a manhã seguinte,
e os dias a seguir, e os anos.







SE



Se ao menos a poesia fosse feita
de imagens tácteis,
se os meus olhos pudessem afagar
com a ponta dos dedos o teu rosto
na copa do pinheiro manso
e se a colina fosse o corpo,
o ventre que se alteia com a mão
em concha, a púbis,
se o rosto mergulhasse de calor
na fonte ao nomeá-la e, vendo o campo,
o campo se tornasse a cama em que
arrefecias — enfim,
se as palavras pudessem ser os olhos,
e os olhos alongassem os meus dedos,
para que quereria eu a poesia,
cansado como estou
de imagens de cinema
em fotogramas cegos com legendas?
 




LUTO



Eu vi logo que estavas a faltar-me
quando te perguntei se gostarias
de regressar no Inverno
aos temporais da costa,
de rires como rias
por sob o guarda-chuva destroçado.
Falaste de humidade e frio,
inventaste miasmas
trazidas pelo mar,
deitaste tudo fora como é hábito
nas mulheres em plena queda.
E então eu, que amava temporais,
esqueci-os, não fosses tu fugir.
De nada me valeu.
Agora ponho dentro de palavras
a chuva, a ventania, a confusão do mar
numa folha de luto antiga
com tarjas negras
que fui buscar a casa dos meus pais.



Nuno Dempster nasceu em Ponta Delgada, Açores. Publicou os livros de poesia: Dispersão – Poesia Reunida, Edições Sempre-em-Pé, 2008; Londres, &etc, 2010; K3, & etc, 2011. Tem colaboração dispersa em antologias e revistas de poesia. Mantém o blogue À Esquerda da Vírgula.


Periodicamente este blog passará a aprensentar um Poeta Convidado: obviamente, os direitos pertencem aos respectivos autores.

2 comentários:

  1. Magnífico! Todos envoltos em tons cinza...por algo que se perdeu de nós, por algo que se perdeu em nós... Aplausos!

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  2. Poemas repletos de emoções. Gostei. Um abraço, Yayá.

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