30 anos passados, aqui se assinala o lançamento da publicação colectiva Os Poetas do Café, que ocorreu exactamente no dia 29 de Maio de 1981. Reunia poemas de autores que frequentavam (uns mais do que outros), em generosa e animada tertúlia, o Café Diplomata, no Porto. Ao tempo, foram inúmeras as repercussões que este pequeno volume suscitou, tendo-se constituído como uma referência relevante para a actividade cultural da cidade; António José Saraiva e Óscar Lopes assinalam-no na História da Literatura Portuguesa. Colaboraram: Álvaro Magalhães, Amadeu Baptista, António Campos, Arnaldo Saraiva, Aureliano Lima, Eduardo Chiote, Egito Gonçalves, Helga Moreira, Isabel de Sá, Jorge Sousa Braga, Jorge Velhote, José Emílio-Nelson, Laureano Silveira, Luís Veiga Leitão, Manuel Alberto Valente, Maria da Glória Padrão, Mário Cláudio, Vergílio Alberto Vieira e Vítor Oliveira Jorge.
Contribuí com este poema, que, posteriormente, incluí em Green Man & French Horn:
ROYAL LABEL BLACK
(a Ruy Belo)
Este homem procura as cores mais secas do nosso entendimento;
vai connosco até à rua; responde-nos
um cigarro primeiro, uma construção na areia, depois um ferro
a espetar nas dunas e no mar
enquanto o mar houver e a paz durar;
come connosco à nossa própria mesa; ama a nossa mulher
e experimenta o odor da nossa casa aonde os nossos filhos
lhe entram pelos joelhos, o cobrem de carícias, lhe atiram
a satisfeitíssima bola de brincarmos aos adultos quando é tarde
ou os dias apresentam um cariz de pouca chuva.
Divide o nosso frango, a frugal fruta, as sobras do almoço
e sai-nos portas dentro quando o pôr-do-sol, a solução do sol, o sol
das terras de portugal e das noites de madrid
dialoga connosco, connosco estabelece a nítida fronteira
entre aeroportos, casas – oh as casas – e a mulher que,
podendo ser a de um estivador, do camisola amarela, desse
irreverente basquetebolista que por um grande azar não é das nossas relações,
foi, é, será sempre a mulher
encontrada e perdida na poeira, nas arcas, nas infâncias multicoloridas
que parcimoniosamente nos excedem.
Procura, sim, procura as cores do nosso entendimento;
bebe do nosso vinho; vai à missa connosco; veste-nos
a pele de lobos esfaimados nesta selva de ratos onde os ratos
se confundem com navalhas, intelectuais empalhados, inquiridores
por conta d’outrem (e própria), só para que o amor
um pouco sobreviva, exíguo e tenso; ri
às bandeiras despregadas como só um menino, como só
alguém que sabe da poda pode rir
enquanto os táxis, o choro, as dores de consciência
- que afinal não há, embora os cais… – atravessam o meio-dia, desesperadamente.
Ah, este homem procura as cores mais secas
do nosso entendimento; limpa-se
às nossas toalhas; chega
ao extremo de utilizar a escova privada da nossa privadíssima higiene; rompe
os nossos sapatos (meias inclusive); joga
à pancada connosco, ao eixo; e rouba-nos a carteira
como só quem sabe sorrir pode roubar-nos, pode
assinar de cruz por nós, solucionar
o problema da nossa talvez habitação
sem prestígio nenhum, ao menos uma praia de consolação em que morrer
com o mesmo à vontade, modéstia e alegria
deste homem que procura,
procura as cores mais secas do nosso entendimento.
(in Vários, Os Poetas do Café, Porto, Edição dos Autores, 1981 e Green Man & French Horn. Vários, A Jovem Poesia Portuguesa /2, Porto, Limiar, 1985)
Na foto (da esquerda para a direita): Aureliano Lima, Egito Gonçalves (atrás), Luís Veiga Leitão, Mário Cláudio, Helga Moreira, Isabel de Sá, Álvaro Magalhães, António Campos, Arnaldo Saraiva, José Emílio-Nelson, Jorge Velhote, Laureano Silveira, Amadeu Baptista. Em baixo, à frente, Manuel Alberto Valente e Maria da Glória Padrão.
Obrigada Amadeu, não sabia. Mas o que eu gostei mesmo foi o poema a Ruy Belo, para mim o nosso maior poeta contemporâneo. Ab
ResponderEliminarNão figuro na foto porque cheguei atraso alguns minutos...!
ResponderEliminarqueria dizer atrasado...
ResponderEliminarOlá Amadeu...aqui não me indigno, senão por tão valioso espólio permanecer, talvez, enclausurado em tão poucas memórias...um abraço
ResponderEliminarObrigado, Amadeu, pela lembrança oportuna.
ResponderEliminarQue bom Amadeu a tua lembrança. Foram tempos fantásticos em que os poetas partilhavam projectos. Agora é tudo de outra maneira. Mas o mais importante é que já se passaram 3 décadas e a poesia desses autores, tu incluído, continua VIVA e actual!!!
ResponderEliminarBeijinho da Graça
Bons dias,tinha eu 7 anos quando esse livro foi publicado.
ResponderEliminarCertamente terei andado ao colo nesses escritores,e,terei com eles aprendido a ler e escrever,fui mau aluno eu sei,mas tenho na minhas boas memorias recordações desse tempo,agora ao atingir os 40 anos,venho aqui agradecer por mim e pela minha familia toda amizade que deram a este cafè Diplomata,que infelizmente vai mudar de gerencia e de nome,a todos voces,e todos os outros que por aqui passaram o nosso muito obrigado e o desejo de nos reencontramos uma vez numa mesa de cafè a ler a poesia que os poetas que por aqui passaram imortalizaram
Felisberto Ribeiro-filho
Armindo ribeiro-pai
Alzira Cardoso-mae.