quinta-feira, 19 de maio de 2011

Escalpe, 2009



(fragmento)

Nos meus e nos teus rins se acumulam
segredos desusados,
o real é um cúmulo de árvores e areais
desoladores,
visões devastadoras do silêncio,
espaços inaudíveis a sitiar-nos os ombros.

Mas nós, sendo sagrados, ardemos tanto
que sopesamos os ritmos da memória e os da terra,
ainda volúveis,
ainda corça e gamo,
ainda mensageiros.

Assim adormecemos.

Assim velo o teu sono com o meu sono,
assim velas o meu sono com o teu sono.

E são os nossos sonhos sonhos lúbricos,

e fluis suavemente pelos meus lábios,
e fluo suavemente pelos teus lábios.

Há uma seda sensual nos teus cabelos que apetece conhecer.

Os dedos deslizam nessas pequenas cascatas
que perseguimos,

e assim nos introduzimos no mistério.

A nossa maldição é o benefício
do fervor que mantemos entranhado
na carne,
desde o início.

(in Escalpe, Lisboa, & Etc, 2009)


Arte de António Ferra para Escalpe (desenhos do livro):




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