quarta-feira, 11 de maio de 2011

O Bosque Cintilante, 2008



Wolfgang Amadeus Mozart: Intróito, do Requiem

É uma das consequências de ser forasteiro
e deixarmos para trás quem não nos pode perdoar.
Fechamo-nos em casa e acendemos o fogão
sem que mais nada passe de uma emoção, uma dor
ilegítima. Adeus, então. Confinamos todas as coisas
ao enfraquecimento do abandono, à janela
que desce à desolação de um caixilho
onde nenhuma paisagem se fixa, nenhuma luz.
E aí permanecemos, sozinhos, com a morte
a subir-nos pelo braço direito e a paralisar-nos
o dedo indicador. Franz Sussmayr, meu tão querido
amigo, deixo-te a tarefa de terminares o Requiem
e pagares trinta missas pela minha alma.
O mais há-de ser tão estranho
como é estranha a minha felicidade
e algumas das irrequietas partituras
que esvoaçam na minha cabeça. Que eu seja lembrado
por as não ter escrito, por terem ficado esquecidas
no infinito dos tempos,
por apenas as ter tolerado sem que as tornasse possível
nesta espécie de imortalidade que me coube viver.
Em benefício de alguém assim aconteceu.


(in O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroma, 2008)




(Wolfgang Amadeus Mozart, Salzburgo, 27 de Janeiro de 1756 - Viena, 5 de Dezembro de 1791)

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