quinta-feira, 12 de abril de 2012

Thorkild Bjørnvig



TRÊS POEMAS DE THORKILD BJØRNVIG



TARDE NUMA CIDADE DESCONHECIDA


É isto a morte?: no meio do alvoroço da festa.
                Conversa, amigos e estrépito de música,
                a amada descansando nos meus braços,
                enquanto o bramido como um zumbido melífluo
me invade o ouvido – roça-te o frio gélido.
                Vais-te. Atrás de ti perdem-se as vozes,
                a música soa como um mosquito alto e longínquo –
                Ora bem: um instante os salões estiveram cheios
agora a luz apaga-se. O que esperas
                aconteceu há muito tempo. Fecho os olhos, os ouvidos,
                tento recordar imagens e palavras –
então sinto que uma corrente gélida vem da porta,

e ouço passos a acercar-se da minha mesa,
e uma voz em surdina que me diz: tem que ir-se.

                              
                                                                              Fiur og ild, 1959 



EROS


Divindade não chamada, só a vida numa forma ou a pureza te
                comovem,
se algo te comove – tu, doçura inumana, e de repente
púrpura perante o olhar, tu, absurdo, que crias felicidade,
                desassossego,
fazes e desfazes famílias, impávida, indiferente,
tu – se te resistimos, provocamos a tua crueldade, até que a dor
nos faz crer em espírito, ou te aniquilamos no abraço:
és indefectível. Como a fénix, uma águia num longínquo e desolado
                cume,
perscrutas firmamentos em brasa, ressuscitada, insaciável.

Corpos clarividentes, descansamos, meu amor, imóveis,
constelações refrescadas pelo vento descansam sobre as
pálpebras fechadas,
e os rios primitivos do sonho fluem en torno do coração – como
                ritmos dentro de mim
continua o movimento dos teus braços, erguidos para o abraço,
e o desejo bruscamente, dispo os teus seios, o estremecimento
das ancas – um ritmo que esquece a sua substância até que apenas
                recordamos,
quando passaram os anos, as copas das árvores sobre nós,
                a ondulação do mar,
os enfeitados minuetes de um campanário que abriram o céu.

Uma noite sonhei, meu amor, que te vi com uma máscara dourada,
vi-te sair por uma porta secreta, gritei, não me
ouviste; família e amigos rodeavam-te, despedindo-se – Eros:
um rosto totalmente desconhecido, impregnado da doçura
                da intimidade,
um rosto terno e familiar, iluminado pela estranheza,
sim, essa é precisamente a tua obra – e sejas quem sejas, tu, a abraçada,
bela até transtornares-me, és a máscara que generaliza
                os gestos individuais
e a que, sem que os apague, aperfeiçoa com toda a pureza a tua nudez.

                                                                                              Figur og ild, 1959



O pesadelo, nele
não és corpo nem espírito,
não és mais que uma alma entre
as mós do moinho
do incorpóreo e do não espiritual.
Aí só ajuda Platão
ou o Corpo do Amado.

                                                                                              Vibrationer, 1966

Versão minha - © Amadeu Baptista


Thorkild Bjørnvig. Nasceu em Aarhus, a 2 de Fevereiro de 1908 e faleceu a 5 de Março de 2004. Licenciou-se na Universidade de Aarhus, com uma dissertação sobre Rainer Maria Rilke (1944) e doutorou-se em filosofia em 1964. Traduziu para dinamarquês, além de Rilke, Friedrich Hölderlin. Foi co-fundador e co-editor da revista ‘Heretica’. Publicou poesia e ensaio, datando de 1987 o seu último livro de poesia, intitulado ‘Através do Arco-Íris’. Foi amigo íntimo de Karen Blixen, que tão bem conhecemos do romance (e do filme) ‘África Minha’.

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