DOIS POEMAS DE EVA DURÁN
fantasia
desejo ser penetrada
para além da pele
durante horas e horas e horas
o desejo apenas cabe na eternidade
para além do prazer
a carne ama o fogo
que a incendeia
a carne
cálice do amante
não tem repouso
sabendo-se mortal
entrega-se
submerge a adaga
e inicia o sacrifício
o rito milenar
do suor que ferve
do sangue que se entrega
em que o golpe e a traição
são a única saída
no fim
a memória purifica
a memória purifica-se
e o corpo do amante
regressa ao seu justo
eterno e merecido esquecimento
***
BIOGRAFIA POSSÍVEL
Se algum dia me lembrares tens que saber
que me masturbo com alegria
que me rio até às lágrimas
que os meus passos deixam onde quer que vá
uma estela de sangue
que larguei pedaços de pele por aí
(entre parques e bibliotecas,
rostos, casas, carros, cinemas)
que li por estupidez
mais de cinco mil livros
mas que descobri, não demasiado tarde,
que o melhor é ignorar a gramática
as leituras e a boa educação
(por isso arroto, por isso sou livre)
Tens que saber que falo com espíritos,
que ao pequeno-almoço bebo sangue, que me fotografei nua.
Que me agrada por igual a comida turca e os turcos
(Ainda que um marroquino musculoso e moreno
não estivesse nada mal)
Que às vezes… quando esqueço o que me aconteceu
sorrio
E então converso com as minhas flores
e sinto-me feliz
Que numa noite de paixão fulgurante
na areia branca,
a brisa barranquenha e o mar
Antonio me disse:
“Pareces um colegial ninfomaníaca
e esfomeada” E depois “Amo-te” e depois…
Se algum dia me lembrares (se me recordas)
Tens que saber que em verdade sou feliz
(só que de outra maneira)
Que cresço entre estranhos
Que amadureço a golpes
Que aos domingos vou ao jardim infantil
e subo aos balancés e aos escorregões
Que me sei imatura e tonta
E que gosto de o ser
Que ainda me ofereço rosas
Que ainda amo com loucura os cães
Quando vires Antonio José Piocuda, diz-lhe
“Na Alemanha ela espera-te com os braços abertos
com café fumegante
poemas de amor que escreveu para ti,
bom sexo e algumas canções”
Se voltares a ver António… diz-lhe…
Se ele regressa…
Eva Durán. Poeta e jornalista. N. em Barranquilla, Colômbia, em 1976. Frequentou a Universidade de Cartagena. É autora de vários ensaios, guiões de televisão e peças de teatro. Foi colunista em jornais e revistas colombianas, como El Tiempo e El Universal, onde publicou crónicas políticas extremamente combativas. Foi produtora de televisão, na Colômbia e em Espanha. Em 1997 ganhou uma bolsa, atribuída pelo Festival Internacional de Poesia de Medellín; em 2003 venceu o Prémio Cidade de Cartagena e uma bolsa atribuída pela Fundação Gabriel Garcia Marquez. Vive na Alemanha desde 2005.
Caro Amadeu Baptista,
ResponderEliminarmuito, muito bons os poemas que colocou aqui!
Muitos abraços
Jorge Vicente
isto sim é uma mulher Mulher!
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