sábado, 21 de abril de 2012

Escola da Fontinha, protesto e solidariedade


Na foto, de que ignoro a autoria, mas utilizo certo de que o seu autor (ou autora) entenderá o uso, está bem patente a que extremos de brutalidade a carga policial recorreu para despejar a Escola da Fontinha, há dois dias atrás: material escolar, livros, cadernos, computadores, mobilário, etc., destruídos e empilhados como lixo no espaço do recreio da ES.COL.A, onde, com a força de intervenção, agentes encapuçados entraram para bloquear o edifício e em que, segundo os moradores, 'usaram tasers, bateram em alguns de nós, revistaram-nos à força, arrastaram as p'rái 30 pessoas que lá estavam, para fora'. (Gui Castro Felga). Como protesto e solidariedade, cabe-me deixar aqui um poema antigo, que publiquei pela primeira vez em 1987, mas foi escrito antes de 25 de Abril de 1974:




ÚLTIMA GERAÇÃO

ad majorem dei gloriam

O nojo, o nojo visceral, Senhor.

Dai-nos o nojo, Senhor, o sagrado, o supremo nojo
de que se irá decidir a nossa salvação e a salvação dos que, enojados como nós,
antepõem o vómito a esta mansidão de sombras paradas pelo chão.

Dai-nos o nojo, Senhor, o nojo que a marca da repugnância
favorece e docilmente nos vem lamber as feridas.

O nojo, Senhor, a agonia do nojo
para que possamos cuspir sem ressentimentos no rosto
de quem nos cospe no rosto.

Porque o rato pariu uma montanha, Senhor, e como cães assustados
esperamos o impacto do fogo sobre o fogo.

Porque mantemos os sentidos despertos, Senhor, e esperamos
o resgate, o refúgio e o êxtase.

Porque caminhamos nas trevas com extrema paixão e uma ânsia poderosa, Senhor,
dai-nos a náusea,
a abundância da náusea sobre o nosso rancor.

Dai-nos o vómito, Senhor, o vómito
carregado de fel da nossa vida violenta,
do nosso amor violento,
da nossa esperança violenta e violentada
pelo preço de um pão e o suor agónico da nossa face.

Recorremos a Ti, Senhor, neste páramo de ódios,
para que nos dês o alívio do vómito letal do nosso desespero,
esta amargura carregada de amargura
que nos lançaram sobre os ombros e tem o peso do mundo.

Com as lágrimas nos olhos, Senhor, e a cabeça coroada
de espinhos, pedimos-Te a libertação do nojo que ocultamos nos nossos corações,
o nojo intemporal
dos que nos antecederam e que virão depois de nós, o nojo
imensurável que geramos no nosso ventre e ao nosso ventre voltará sob a forma de cal
purificadora.

Dai-nos o nojo, Senhor, essa flor infecta, sanguinolenta e suja
que há-de desabrochar das nossas dores

em Tua glória

e em nome do asco a que fomos submetidos.



(in Última Geração – Naifa – suplemento indestacável, nº. 4/5, Junho, Porto,1987
e Antecedentes Criminais Antologia Pessoal 1982-2007, Edições Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2007)

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