Antonio Vivaldi: Allegro, do Concerto para guitarra em ré maior
A construção de um lugar depende da sinuosidade
das árvores e do pouco de céu que houver nesse perímetro.
A ilusão avança com um recuo feliz, certa predicação
de um nome augurado no mais recôndito da morte, esse traço
azul onde o rosto oculta o que pulsa e se distende
para além do infinito e da luz.
Dezembro, mil setecentos e nove. A janela
é uma esquadria adjacente a um campo de limoeiros,
a minha cabeça é essa sombra pequena
na grandiosidade do bem, menos que um rumor.
Entro e ampliam-se os odores
irreconhecíveis da infância, certas cores disformes
no silêncio litúrgico do pátio, a árvore suspende-se
sobre o meu corpo no caminho de ardósia, distinguem-se
duas manchas fluidas na superfície da água que capturam o meu rosto
pelo reflexo de um brilho, a mão que obriga a ajoelhar,
os meus olhos que se perdem no súbito silêncio da câmara.
A coluna tomou a forma de uma sereia e este palácio
leva este nome por pura analogia metonímica, aqui
a perdição de um amor evoca o enredo de uma vida, o lenço
acena em direcção ao rio onde alguém parte para não partir,
é uma varanda tocada pelo sol onde a musselina esvoaça
tal como esvoaça o coração no gradeamento
de instantes que a memória recupera,
um certo, obscuro itinerário.
in O Bosque Cintilante, Maia, Cosmoroama, 2008
© de Amadeu Baptista
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