Maria do Rosário Pedreira, poeta convidada
3 POEMAS
Vem ver-me antes que eu morra de amor — o sangue
arrefece dentro do meu corpo e as rosas desbotam
nas minhas mãos. Da minha cama ouço a tempestade
nos continentes; e já quis partir, deixar que o vento
levasse a minha mala por aí; fiz planos de correr mundo
para te esquecer — mas nunca abria a porta.
Vem ver-me enquanto não morro, mas vem de noite —
a luz sublinha a agonia de um rosto e quero que me recordes
como eu podia ter sido. Da minha cama vejo o sol
tatuar as costas do meu país; e já sonhei que o perseguia,
que desenhava o teu nome no veludo da areia e sentia
a vida pulsar nessa palavra como um músculo tenso
escondido sob a pele — mas depois acordava e não ia.
Vem ver-me antes que morra, mas vem depressa —
os livros resvalam-me do colo e o bolor avança
sobre a roupa. Da minha cama sinto o perfume das folhas
tombadas nos caminhos. O outono chegou. E o quarto
ficou tão frio de repente. E tu sem vires. Agora
quero deitar-me no tapete de musgo do jardim e ouvir
bater o coração da terra no meu peito. Os vermes
alimentam-se dos sonhos de quem morre. E tu não vens.
(in O Canto do Vento nos Ciprestes, 2001)
FADO
Dizem os ventos que as marés não dormem esta noite.
Estou assustada à espera que regresses: as ondas já
engoliram a praia mais pequena e entornaram algas
nos vasos da varanda. E, na cidade, conta-se que
as praças acoitaram à tarde dezenas de gaivotas
que perseguiram os pombos e os morderam.
A lareira crepita lentamente. O pão ainda está morno
à tua mesa. Mas a água já ferveu três vezes
para o caldo. E em casa a luz fraqueja, não tarda
que se apague. E tu não tardes, que eu fiz um bolo
de ervas com canela; e há compota de ameixas
e suspiros e um cobertor de lã na cama e eu
estou assustada. A lua está apenas por metade,
a terra treme. E eu tremo, com medo que não voltes.
Por serem mães, nem viram aquilo que
parecia um raio de sol interrompendo o
mundo; e levam os meninos mortos ao
colo no fio dos caminhos, confundindo
sempre a lã dos xailes com o calor do
sangue que lhes ensopa as mãos. Seguem
sem poder acreditar – ou então acreditam
que não seriam capazes de amar tanto
uma coisa parada no tempo, e por isso
vão, imperturbáveis, ouvindo bater dentro
do próprio peito os corações vermelhos
pequeníssimos. Mais adiante, deter-se-ão
para descobrir um seio redondo e cheio à
minúscula boca prometido – não vá ela
abrir-se de repente e, milagrosamente,
começar a chorar.
(inédito)
Poemas: © de Maria do Rosário Pedreira
Fotos: ilustração dos poemas: © de Amadeu Baptista
Maria do Rosário Pedreira nasceu em Lisboa em 1959. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Clássica de Lisboa. Estudou paralelamente outros idiomas, como o alemão e o italiano. É editora e escritora. Recebeu vários prémios literários pela sua obra poética e as suas séries de livros juvenis foram adaptadas à televisão.
É um prazer passar por aqui.
ResponderEliminarNão conhecia esta Poeta. Fiquei maravilhada com estes poemas e interessada. Partilhei.
Muito Obrigada. Abraço.
PS: devo dizer-lhe que há uns anos conheci-o, através do seu poema Kefiah tocou-me tanto que nunca mais esqueci.
bem haja.
(no FB sou a magnetic zeros :))