terça-feira, 16 de outubro de 2012

Arvid Torgier Lie




NAVEGAR

Hoje navego contigo,
ontem foi com outra,
o mar é o mesmo,
mas os barcos são um pouco diferentes.

Skrive og tenke, 1971



ELA FOI-SE

Ela foi-se, o seu chapéu de verão fica só
com as suas amplas asas numa cadeira,
está completamente imóvel sem o rosto dela.
De repente o chapéu tinha caído sobre a cadeira,
e não pude dizer uma palavra mais.
E ela foi-se com todo o seu temperamento.
Às vezes o chapéu está preparado para se escapar-se,
outra vez está paciente e mantém-se quieto.
Vou para a sua beira e consolo-o dizendo-lhe:
– Espera um pouco
dentro de uns dias iremos buscá-la.

Skrive og tenke, 1971



PASSEIO EM BARCA

Somos três numa barca,
a barca aponta numa direcção,
tem uma vontade
e é uma barca rápida,
porque temos os três a mesma meta,
se tivéssemos cada um a nossa,
a barca teria três vontades
e apontaria para três direcções ao mesmo tempo.
Seria uma barca pesada
e cansativo o passeio na barca.

Sol og sekund, 1973



MÃE MORTA

Mãe morta.
Círios brancos.
Um muro transbordante de lágrima em torno da mãe.
Tentamos tantas coisas neste instante,
mas não chegamos muito longe,
só vemos o grande perante nós,
e é suficiente.
Em cima: o sol na sua órbita.
Abaixo: a mãe na sua órbita.
Hurra. Provavelmente não podemos dizer isso.
Hurra mãe.

Sol og sekund, 1973



CAMINHOS FLORESTAIS NO INVERNO

Estes caminhos rectos,
estes caminhos planos,
estes caminhos sem neve.
Aprazem ao chauffeur
aprazem ao lenhador,
aprazem a todo.
Mas ao veloz esquiador não aprazem,
derrama as suas lágrimas imóvel ao vento.

Estes caminhos sinuosos,
estes caminhos empinados,
estes caminhos deslizantes.
Ao chauffeur não aprazem,
ao lenhador não aprazem,
a ninguém aprazem.
Mas ao bom esquiador aprazem,
o seu rumor passa a voar no vento.

Sol og sekund, 1973



SOL E SEGUNDO

(Aos revolucionários nos países pobres)

O poderoso potro no caminho.
Tenso está como um sol e um segundo.
Delgado e alto. O potro são.

A luz fixa-se no espaço verde
entre os aromas da terra.
Os cascos do potro são como quatro gotas de água.
O potro vermelho bem plantado.
Um plano bem pensado para a tomada do poder.

Com uma frieza recta avança o potro a voar.
E é sol e segundo.

Sol og sekund, 1973



COM MÃE

Voltou a acontecer que:
ela lhe passou a mão
sobre o pêlo
e os olhos dele fizeram-se grandes.

Ela sussurrou-lhe duas palavras
ao ouvido,
e os olhos dele fizeram-se grandes.

Ele não tinha resposta para aquilo.

Sju svingar upp, 1976



PROLETÁRIO

Estavas sentado e calavas, não dizias nada,
desconfiavas do que ias dizer
mesmo antes de o dizer.
Levantaste-te e disseste algo,
mas pelos vistos desconfiaste do que disseste
imediatamente após dizê-lo.

Desconfiaste da tua palavra proletária.
No meio de toda esta solenidade e resplendor
tinhas medo das tuas maneiras
e por isso desconfiavas das tuas ideias.
Seguramente pensaste: um discurso deveria ser
como uma pedra talhada por um cristal.
E assim foi.

Mas o que tu levavas dentro apontava mais para diante
que todo o demais aqui.

Sju svingar upp, 1976



DESCES UMA COLINA ESQUIANDO

Desces uma colina esquiando
e diante de ti:
massas de neve firme, mundo seguro.
E um vento segue-te
com a sua canção enquanto esquias.

Então de repente
e como uma serena explosão
contra o ar e as massas de neve,
ergue-se uma sombra
e nessa sombra
desvanece-se o mundo seguro.
E o que vem: sobe
ou desce?
Encontraste com uma cúpula
ou pelo contrário com um buraco?

Assim vai subindo e descendo
jogando contigo o seu jogo burlão,
e tu ouves suspirar o vento
enquanto esquias com um último pensamento:
o que me espera provavelmente será uma cúpula
e preparas-te para subir
e caí no buraco.

Eit merkeleg hus, 1981


Versão minha - © Amadeu Baptista


Arvid Torgeur Lie, nasceu em Skafså (Telemark), em 1938. Trabalhou como camionista, lenhador, etc. O seu primeiro livro de poesia data de 1967.É autor de várias colectâneas de contos e tradutor.

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