quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Peter Laugesen



Que vão fazer
quando crescer a pressão
a fábrica está fechada
O enorme enxame que zumbe
através da mesma frase até ao interior da mesma frase
cada frase de outro idioma
Introdução à angústia metafísica
colocada lá onde deve estar a metafísica
no processo industrial como legível cadeia de frases
Angústia colectiva por coisas colectivas sempre as mesmas coisas
o motor cerebral que gira selvaticamente e sobreaquece
A morte que sempre é o que eles levam pela mão
aqui neste lugar
As coisas que esperam sempre e que são
o princípio de uma frase que eles nesse mesmo instante terminam
do outro lado no outro lado
Quando passeavam derretiam-se os grandes declives
de vez em quando e a lama escorria por entre os dedos dos pés
quando passeavam
na paisagem que ia ficando mais rígida e mais solta
porque sempre acontecia daquela maneira em duas frases
cujo conteúdo material fosse o mesmo se se tivesse por
material aquela classe de palavras que se tinham por sê-lo
naquele tipo de frases
Doce e silenciosamente brotava a acinzentada ternura
deles até entrar neles
As rugas brilhavam encobriam
desapareciam se abriam passagem como rios
estavam ali todo o tempo ou não estavam
A casa nunca estava completamente silenciosa
eles não sabiam nada
De qualquer dos modos ele não estava
lá apenas estavam todas aquelas coisas deliciosas
cada vez mais numerosas
Daquelas que eles podiam encarregar-se
se não houvesse outra coisa que pudessem fazer
Será muito belo
em todo o caso
Há chamas nas árvores
mais tarde caem ao chão
Outras crescem
onde foram enterradas
Tudo é pois de todos
O ponto de vista dele não tinha importância
ela tão-pouco sabia fazê-lo melhor
Eles não chegariam a saber nunca
todas as disposições de tomavam
por cima das suas cabeças
Pela manhã montavam nas bicicletas cinzentas
na luz jamais desvanecida
Chegou o momento de actuar
no material mais concreto
de todos.

            Katanonien, 1970



Tarde da tarde, dezembro

a vertiginosa e surda pena
que o mudo velo das minhas palavras
suspende ante os teus olhos
vem de uma imagem de mim
que levas no teu corpo
quando de súbito o amor se torna pérfido
e cego como um prego partido
numa parede imunda de uma casa abandonada?
casas com pessoas zangadas
em quartos intrusivos e contraditórios
cheios de móveis nodosos
como golpes platónicos
em aborrecidas mesas acastanhadas
onde quatro pratos quatro garfos
quatro facas quatro copos com vinho moderado
falam um idioma eminente
sobre uma indiferença ilimitada
de lá chegam amiúde as minhas palavras fracturadas
que por trás dominam o meu amor

o idioma fala
eu posso testemunhar a sua muda brutalidade

            Anarkotika, 1970


Chega a chuva
em formosas nuvens negras
que podemos ver nas alturas
e capturá-las nos nossos cabelos e mãos
chove no grande buraco
no cemitério
chove nas campânulas adormecidas
chove nos sonhos e nos sapatos
chove e chove
através das trevas
sobre a terra

            Å ens skrift, 1979


Há algo no ar,
é transparente,
inodoro e insonoro.
Noto-o
quando choco com ele,
como se precipita um pássaro voando
contra um vidro.
A minha imagem especular está
na janela –
vejo-me
com um aspecto que não tenho,
e atrás de mim na cozinha
ficam os rolos de papel
como peles caídas de serpente
e o casulo da borboleta
em tapetes voadores
de amor e solidão.
O lago é um olho azul
no rosto verde da terra
e os terraços suspendem-se
como barcos salva-vidas
na medida das casas grandes
O tempo plana
à sombra de comboios de mercadorias e de gatos,
correm-se as cortinas
a luz apaga-se atrás delas.

Tudo flutua em calma pelo espaço
ao longe brilham cinco estrelas
e o céu para o sul está turquesa.

Himmel Kœrlighet Frhed, 1982


O telefone em que ninguém fala
e a cama em que ninguém dorme
As notícias e nem a menor oportunidade
de fazer algo com elas
enquanto a chuva morre na erva
e o vento silva pelos
quartos do andar
Os dedos que alguma coisa abandonou
enquanto as crianças conhecem a solidão
e a ausência pela primeira vez
A Angústia como uma maçã
uma desesperada lotaria de cartões
um fragor de castanhas
desencadeado por árvores
que como chicotes na obscuridade
lembram o que nunca
mais voltará a ser o mesmo

Blœkpatroner, 1983


Pelo menos metade foi sonhado
e esquecido nos escaparate
sob camadas de sobrescritos.
A escrita serpenteia em desenhos
como linhas numa mão desaparecida.
As palavras estão como vacas
no campo.
A chuva cai em ninhos vazios
sobre ramos de árvores nus.
Os pássaros não cantam nunca
                            sem motivo.

Nattur, 1989


Versão minha - © Amadeu Baptista



Peter Laugesen, nasceu em 1942. Estreou-se em 1967 com o livro ‘Landskap’. É poeta e dramaturgo. A sua poesia tem raízes na geração beat, com influências de Allen Ginsberg, Jack Kerouac e William Burroughs –  é considerada algo anarquizante, quer em termos formais como em termos de conteúdo, onde o belo e o feio são interdependentes.

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