sábado, 3 de novembro de 2012

João Tomaz Parreira


POEMAS SOBRE FOTOS DE CRIANÇAS
DO HOLOCAUSTO


 AINDA A TEMPO DA INFÂNCIA








A LIBERTAÇÃO

A neve
que caía como as plumas
de um céu assustado
era um toque suave nos cabelos
nos rostos e nas fechadas mãos
ao frio
era a primeira voz de amor
a neve, no silêncio
branco que se ouvia.




Foto: 1 ( Logo após a Libertação crinaças de Auschwitz saem das barracas em 27/1/1945)






DEPORTAÇÃO

A morte não deveria ser obrigatória
em marcha
nestes pequenos pés
Uma fila de olhos sem regresso
pequenas dimensões
onde só deveria estar a alegria
vão
sem reparar que é enganosa
a sua infância tranquila.



Foto 2 ( Deportação de crianças judias do gueto de Lodz, Polônia, durante a ação "Gehsperre" 
(toque de recolher), setembro de 1942.)






BARRACA 66

Esperavam que a voz fosse suave
as palavras novas
num toque de pluma nos ouvidos
nos olhos
que não estão assustados
O sorriso começa agora a dar um ar
das suas asas, um pássaro
novo
deixa alegres vestígios sobre a neve.




(Foto 3 :  Foto de crianças sobreviventes da ala infantil--Barraco 66--do campo de Buchenwald, logo após a libertação
do mesmo pelos Aliados. Alemanha, foto tirada após 11 de abril de 1945.)





A TIJELA DA SOPA

Uma sopa de brancura fria
espera
que um retrato,  sem dor ainda
se revele eterno, todo
o retrato é assim
preserva olhos discretos
e outros olhos mudos
abertos
que por uma vez percorrem
todas as distâncias
no meu corpo.




( Foto 4 : Crianças judias com tigelas de sopa no gueto de Varsóvia. Varsóvia, Polônia, por volta de 1940 )




DUAS ESTRELAS

Duas estrelas apagam
o brilho dos olhos, o branco
é quase intenso, fere
como fumo e cinza
nosso olhar desprevenido
Duas estrelas entram
pelas janelas da minha casa
e aí estremecem a água dos meus olhos.




( Foto 5: Dois irmãos posando para uma fotografia de família no gueto de Kovno. Um mês depois, eles foram
deportados para o campo de Majdanek. Kovno, Lituânia, fevereiro de 1944.)


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*   *



Poemas© de João Tomaz Parreira

João Tomaz Parreira ou J.T.Parreira, Lisboa, 1947. Poeta. 6 livros de poesia (Este Rosto do Exílio,1973; Pedra Debruçada no Céu, 1975; Pássaros Aprendendo para Sempre, 1993; Contagem de Estrelas, 1996; Os Sapatos de Auschwitz, 2008; e Encomenda a Stravinsky, 2011 ). Um ensaio teológico (O Quarto Evangelho - Aproximação ao Prólogo, 1988). Participação em Antologias. Escreve na revista  evangélica «Novas de Alegria» desde 1964 e no Portal da Aliança Evangélica Portuguesa. Na juventude escreveu poesia e artigos no suplemento juvenil do "República", entre 1970-1972.

Nota: sob a etiqueta 'Reincidências' se registará toda a colaboração neste blogue dos poetas que já tenham por cá passado como Poetas Convidados

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