Autobiografia
Não preciso mas tu sabes como eu sou
Encaminho-me pouco divirto-me assim nas copas
Das árvores soprando pensamentos para o mundo que há de noite.
As pessoas quando acordam são outras, já sabias,
Essa névoa contemporânea do medo miudinho
Que perdemos nas cidades e nos corpos, tu entraste
Antes de mim nos jogos, o enxofre da música e o
Lago do feitiço, inocente homem breve que sonha
Tu bem sabes.
Depois aluguei a bruxa por uma vasta noite.
E a minha vida mudou, a noite cresceu,
A vertigem ardeu-me nos braços até a sangria
Do tédio quando para sempre julguei que te perdia.
Na luta perdi um ou dois braços,
Mais do que o que tinha. Mas esta memória é um palácio,
São corais no pensamento. Jardins e fantasmas,
O gume nas mãos sorvendo, criança estratosférica
E profunda: sem braços e agora sem mais nada.
Não me percebeste, enchi-me de fúria.
É uma arte, queria eu dizer, matar sem retrocesso e
Atraso – ah aqueles braços para apoiar as mãos - ,
Ceifando. Saturno e o vento na proa erguendo.
O: navio:no:mar:parado:parado: completamente.
Parado.como dizer? Não dizer, eu sou.uma vida
Medonha e múltipla. E agora descanso
Deitado nestas mãos que mexem
Sem apoio, sabes, nascendo dos teus olhos
P’la manhã.
( in A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, Edições Quasi, 2005)
Adenda: O funeral do Rui será no cemitério de Santa Marinha coordenadas: 41 07' 43,83''N, 8º 37' 37,64''O) pela 10h30 da manhã do dia 20 de Janeiro. O corpo estará numa das capelas mortuárias do cemitério a partir das 9h00 da manhã do mesmo dia. Após uma breve cerimónia o corpo do Rui seguirá para o cemitério de Macieira de Cambra, Vale de Cambra (coordenadas GPS: 40º 51' 31,39''N, 8º 22' 28,36''O).
Informa António Aguiar Costa, irmão do Rui.
É um homem de talento que desaparece. Tenho amigos que o conheceram. É por eles que se ressente o meu coração. Quanto ao Rui, sinto uma imensa sensação de desperdício, a mesma que se sente quando se deixa de conhecer pessoas que marcam a diferença, que saem da impressionante máquina de formatação que impele o ser humano a conformar-se à mediocridade...
ResponderEliminarcsd
O seu poema, toca-me o sangue, permanece-me na minha memória, anos a fio, sem descurar a beleza.
ResponderEliminarperdemos um grande poeta. cabe-nos a obrigação de não o esquecer. de não o deixar morrer.
ResponderEliminar