CRISTO NO HORTO
a)
Disse Maria:
«Todos têm um filho, menos eu».
Disse Maria Madalena:
«Todos têm um homem, menos eu,
que os tive a todos».
Diz João, o Baptista:
«És tu aquele que há-de vir ou devemos esperar outro?»
Dizem os discípulos:
«Todos te querem ter,
mas, deixa-nos dormir, agora,
este sono de justos, Jesus».
Dizem Anás e Caifás:
«Quem dizes tu que és?»
E diz a Escritura:
«Eu sou aquele que é».
E eu, aqui, neste reduto derradeiro,
ato as minhas mãos às Tuas
e sei que sou a voz que brada no deserto,
e o cego que esmola na estrada de Jericó,
todo um caminho de água viva e verdadeira
onde só a minha carpintaria flutua.
Ah, como nós, assim reunidos, ultrapassamos
os limites,
sem nos darmos conta.
b)
Há, em Genesaré, uma estrada cheia de bodes azuis
que confinam o pecado às portas violentas do sagrado
– e eu, meu Deus, que posso mais fazer que invectivar
o anjo para que cesse, por uma vez, de nos matar?
E eu, aqui, que posso mais fazer do que abrir a porta e ver
a cintilante planície que o sonho mostra,
os seus punhais?
Que posso mais dizer senão que não virá o Messias
mas o homem que sou a este páramo,
sem mais fascinação que a dos mendigos,
trémulos de rouquidão e ansiedade,
porque toda a noite não dormiram
– e há a peste, a lepra, a fome e a tristeza
enquanto, neste horto, neva?
Ah, Senhor, faça-se e não se faça
quanto ordenas,
porque nos é impossível possuir a planície
e deter a sombra, áurea.
(in Sobre as Imagens, Cosmorama, Maia, 2008)
Vasco Fernandes (Grão Vasco), 'Oração no Horto', óleo s/ madeira, 1501/6
Não sei como comentar este seu poema, Amadeu. Não sei mesmo.
ResponderEliminarUm abraço.