domingo, 15 de janeiro de 2012

Sobre as imagens # 13

ASCENSÃO

Sobre as imagens, subo. E tal como para que cresça
diminuo, também assim, erguendo-me, descaio sobre mim
e sobre a minha intimidade. Nó a nó, progrido,
fechando-se o ciclo para que me abracem os pés
e haja no sentido da oblação um corrupio de serenos sobressaltos,
onde só eu me reconheço para que os outros
se reconheçam a si mesmos, purificando o caminho
ou subvertendo a ordem do divino.

E assim é que a terra se enrodilha aos meus joelhos,
e são como colunas de mármore as minhas pernas,
e todo eu sou um edifício
onde o céu e o globo se entrecruzam
para que não haja apenas a ressonância antiquíssima do sagrado
a vibrar-nos no corpo,
mas todo o desespero justaposto à esperança.

Como a chuva que cai e o orvalho que se ergue,
eis o que sou, no meu silêncio firme,
trazendo para os hóspedes a refeição certíssima,
cruzes e estrelas,
sem as quais, provavelmente,
não poderíamos encontrar-nos.

Não há exílios na terra que me sejam estranhos,
assim como não há exílios no céu a que eu alheio seja,
ainda que a figueira da Barbaria, por minha expressa ordem,
esteja seca e as asas do arcanjo sejam negras,
se negras as quiser.

A grandes tragos bebo desta terra
de que me distancio para que fique mais próximo
o próximo e o semelhante,
o céu e as suas nuvens reflectidas
na superfície branca que, em sonhos,
nos alegra os dias e sobrevoa as noites
em que nos sepultaram, sendo o sopro de Deus
selvagem e impiedoso.

Exalto-me, como porta. Franqueio-me
à passagem dos gentios
para que o voo se expanda
e a demanda não cesse,
serpentes a silvar eternamente
e aves a pairar na planície,
sendo que é a luz que procuramos,
a luz escura
dessa chama selvagem chamada
humanidade e compaixão.


(in Sobre as Imagens, Cosmorama, Maia, 2008)




Vasco Fernandes (Grão Vasco), 'Ascenção', óleo s/ madeira, 1501/6

Sem comentários:

Enviar um comentário