segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Sobre as imagens # 14

PENTECOSTES

Tomé não acredita que é possível ouvir a harpa
sem que se lhe tanjam as cordas, e eu sorrio
do alto da sua cabeça, onde um incêndio alastra
para que o fogo se amacie.

Se leões fôssemos, também não atenderíamos
à transfiguração, uma vez que só pelo desconhecido
os lobos se acolhem, para que neles pulse um coração de cordeiro,
sendo que tudo é milagre quando
nos encanta.

E em verdade, em verdade te digo, meu amor,
que no assento etéreo a que subi
não sei como esquecer-te,
por razões e desrazões da minha carne,
que só pelo mistério se conhecem.

E assim Tomé me toca o lado,
e tu sabes que rangem estas tábuas
de discernimento e confusão sobre as imagens,
enquanto há tâmaras para oferecer-te
e esta elegia pela qual te entrego
a essência mais pura do amor,
amando-te pelo que és,
amando-te pelo que foste e em Cafarnaum
se repete, para que se perfume o ar
deste pecado que me faz aqui voltar,

porque vos amo

e só assim, porventura, há-de ficar,
por uma vez,
consumado o ardor desta paixão.


(in Sobre as Imagens, Cosmorama, Maia, 2008)


Vasco Fernandes (Grão Vasco), 'Pentecostes', óleo s/ madeira, 1501/6

Sem comentários:

Enviar um comentário