PENTECOSTES
Tomé não acredita que é possível ouvir a harpa
sem que se lhe tanjam as cordas, e eu sorrio
do alto da sua cabeça, onde um incêndio alastra
para que o fogo se amacie.
Se leões fôssemos, também não atenderíamos
à transfiguração, uma vez que só pelo desconhecido
os lobos se acolhem, para que neles pulse um coração de cordeiro,
sendo que tudo é milagre quando
nos encanta.
E em verdade, em verdade te digo, meu amor,
que no assento etéreo a que subi
não sei como esquecer-te,
por razões e desrazões da minha carne,
que só pelo mistério se conhecem.
E assim Tomé me toca o lado,
e tu sabes que rangem estas tábuas
de discernimento e confusão sobre as imagens,
enquanto há tâmaras para oferecer-te
e esta elegia pela qual te entrego
a essência mais pura do amor,
amando-te pelo que és,
amando-te pelo que foste e em Cafarnaum
se repete, para que se perfume o ar
deste pecado que me faz aqui voltar,
porque vos amo
e só assim, porventura, há-de ficar,
por uma vez,
consumado o ardor desta paixão.
(in Sobre as Imagens, Cosmorama, Maia, 2008)
Vasco Fernandes (Grão Vasco), 'Pentecostes', óleo s/ madeira, 1501/6
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