domingo, 8 de julho de 2012

Vilborg Dagbjartsdóttir



4 poemas

O CONSELHO

Sentados à volta da mesa
estranhos jogadores
deitam os dados sobre a minha vida
sobre a nossa vida.

Esta noite perguntei-me
se não serão eles meninos
como o que está no berço
e enche o quarto com a respiração.

                                               Laufid á trjánum, 1960



JAKOV FLÍER INTERPRETA A SONATA
EM RÉ BEMOL DE CHOPIN

Rosas brancas que se enredam num muro negro
um arroio que corre à luz da lua.

Duas borboletas bailando entre as rosas.

Com um bater de asas
uma delas cai e agoniza

a corrente leva-a.

Um raio azul de lua cai
sobre a outra borboleta
sobre uma rosa.

                                               Dvergliljur, 1968



VOCAÇÃO

Ali vai, o glutão e ébrio
quantas vezes não desejei
deixar a minha cruz da casa
e segui-lo?
poderia sentar-me a seus pés
à sombra de uma figueira
e admirar
as suas graciosas palavras
ou correr com ele na praia
ou vê-lo desenhar na areia figuras de peixes
ou ir buscar barro
para modelar pássaros
depois iríamos a uma festa
de algum cobrador de impostos
ou a uma boda camponesa
onde houvesse bastante
que comer e beber
com muito gosto armaria a tenda na praça
escandalizando os fiéis da paróquia
e derrubaria as mesas dos vendedores
no pátio do templo.

                                               Ljód, 1981



DOIS MIL ANOS


Dois mil anos
ajoelhando-nos
na igreja
chorando
a memória do nosso
primogénito crucificado.

E os seguidores
e os filhos do sofrimento
que aprenderam os seus truques
com as suas mãos
junto ao fogão
Que podem comprar
com o seu prato de lentilhas?

A terra já está repartida
entre os herdeiros menos directos
e chegou o momento
em que já não há um lugar
no mundo
que possa servir-lhes de refúgio
no seu desterro.

Não lhes resta uma pedra
em que reclinar a cabeça.
É inútil querer decifrar sonhos
nos cárceres.

Não é já a hora
de levantar
e atirar para longe de nós
os véus?
Depois de tanto
todas estamos tosquiadas.

                                               Ljód, 1981


Versão minha - © Amadeu Baptista

Vilborg Dagbjartsdóttir. Nasceu em 1930 e publicou o seu primeiro livro de poesia em 1960. É uma das poetas islandesas mais lidas contemporaneamente. A sua poesia alia o imaginário romântico com o realismo lírico. É activista dos direitos das mulheres.

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