segunda-feira, 9 de julho de 2012

António Cândido Franco


António Cândido Franco, poeta convidado


3 poemas inéditos


 
LUIZ PACHECO

Foi outro Fernando Pessoa
com mais miopia e mais filhos.
Foi lúcido como ele
mas não lhe bastou escrever merda.
Aos Coelhos mandou-os para a cona-da-mãe
e às Pedrosas chamou-lhes filhas-da-puta.

Teve o talento do Outro
mas também mais tasca e mais verdade.
No Rossio, no meio do lixo
voltou costas ao SNI e aos prémios da caca.
Deu gravata, casa, sapatos e livralhada.
E entre Tejo e Sado, nú e recém-nascido
cego mas não mudo, vadio e genial
ficou a sorrir entre tolos, bêbedos e gafos.








NA MORTE DE ANTÓNIO TELMO

À esquina o nome do lugar.
Na porta a declaração de óbito
e uma fotografia a preto e branco.
Um homem de óculos
de ar impenetrável e amplo.
Na capela uma caixa de pinho
embrulhada em veludo preto e
coberta com um pano cor de vinho.
Por cima pétalas e rosas.
Aos pés duas batas de flores.
Diante o altar com crucifixo em lata.
No nicho em pau as santas do lugar.
Ao cimo um Cristo triste no Calvário
com cruz e espinhos.
Nos bancos corridos
sombras negras que compõem o cenário.
 Um grupo de amigos caminha e avança.
No centro a caixa preta de pinho. 
O Filósofo é agora o tapete
 à volta do qual se vive o transe.
No silêncio hierático e puro
da sua boca selada pelo não ser
brilha o azul incriado do verbo escuro.
Morte, mistério da iniciação.
E numa rosa quente, a arder 
que alguém lhe pôs à altura d’ coração 
explode a luz em fogo do Oriente.










ISABEL MEIRELLES

Para facilitar falei ao telefone em francês
e apontei la preface.
Ela escutou, falou e voltou ao português.
Ouvi-a parar a meio e repetir o traço.
Logo suspirar com ânsia um ah! 
Queixou-se do França mas não da França.
Tinha-lhe vetado uma antologia.
Sempre o mesmo, sempre por perto.
Tanto veto e tanto dia.
Do Gelo só cinco poetas, disse à cautela!
Quais seriam, pensei eu?
O Pressler com azar, mais que certo.
A minha Isabel era a mulher da lambreta
dum sonho do Mário
a dobrar uma esquina de Paris de blusa preta.
Ou a Isabelinha do Artur
a cantar uma chanson.
Oiço agora a voz dela num armário.
Há azul no som e na rua ar de barro.
Nada de prego a fundo.
A Lua nova a brilhar no prato. 
E basta.
Uma antologia da poesia surrealista, diz ela!
E vai no escuro o poema do mundo
e na mão a sombra de ferrar os astros.




Fotos (ilustração dos poemas): © de Amadeu Baptista

Poemas: © António Cândido Franco

António Cândido Franco -  nasceu em 1956, Lisboa. Publicou o primeiro livro em 1976, Murmúrios do Mar de Peniche, numa colecção onde se estrearam Manuel Cadafaz de Matos, João Carlos Raposo Nunes, Levi Condinho, António Cabrita e Abel Neves. O último que deu a lume, já em 2012, foi Autos do Fogo Analógico. Pelo meio fica muita barafunda, de que ressalva o seguinte estudo: Teixeira de Pascoaes  nas Palavras do Surrealismo em Português, 2010. Sonha um dia passar ao papel uma memória da geração nascida na década de cinquenta do século XX, seguindo de perto o modelo que Ruben A. usou nos três volumes
de O Mundo à Minha Procura.

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