sexta-feira, 6 de julho de 2012

Açougue


Está em distribuição a publicação portuguesa de Açougue, em edição & Etc.
A capa é de Bárbara Assis Pacheco e a composição e paginação de Pedro Serpa.


Um poema:


MIL NOVECENTOS E OITENTA E SEIS

Na extensão do quarto não há senão
um lençol vermelho e a mulher.

A cama, ao fundo, e a lâmpada acesa
não são mais que motivos para prender
a atenção.

Dou dois passos absolutamente vacilantes.

O lençol vermelho é de um cetim que cega,
um brilho extenuante.

Mas eu quero ver, quero ver a mulher.

Na extensão do lençol de cetim
a mulher não vacila.

Parecendo
que dorme, tem um sorriso nos lábios,
desconhecido.

Dou dois passos na sua direcção.

Paira no ar um perfume quente,
quase sólido, que me embriaga a ponto
de a querer ou de a matar.

Quero, quero ver a mulher, em toda
a extensão do quarto, surpreender-me
com o fascínio da oferenda, os seios breves
no lençol vermelho, de cetim,

esse sorriso,
assim desconhecido.

A pouco mais de um passo, tocando-a
ao de leve,
sinto que a carne não é carne
nesse momento intenso,
a carne é a visão do desejo sobre um lençol vermelho, de cetim,

em que a lascívia se amplia
e o desencontro
se entrega à claridade da extensão do quarto
para que o crime se consuma
e eu use, cegamente,

este punhal.


in Açougue, Lisboa, & Etc. 2012
© de Amadeu Baptista

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