3 poemas de Östen Sjöstrand
MADRIGAL
Chegou a noite, e a enfermidade golpeou-me com o seu silêncio,
paralisou-me um olho e um pé,
sim, paralisou-me um olho e um pé.
O Médico chegou e o Médico disse-me:
para esta noite não há remédio,
não há remédio.
O amor chegou, e o amor disse-me:
a noite pode ocultar a tua essência, a tua raiz
mas não pode ocultar – uma faísca
essa faísca vive no teu mais íntimo lugar
– e arde, fora da noite.
Hemlöshet och hem, 1958
NO ABERTO E OCULTO CONHECIMENTO DO AMOR
Eu levo a tua cruz
ao pescoço.
Não sei o que significa
nada sei de cristianismo
nem de Cristo.
Mas sinto a tua pele
contra a minha,
a tua essência,
onde o mais mínimo movimento nas profundidades
arranha
a clara superfície da água.
Oh, vaga
ou elevação
dos assentamentos nas profundidades!
Tu estás lá.
Tu estás lá!
tu água viva,
tu o mais fresco manancial
de onde bebo a coragem
para existir.
Enquanto sob frágeis asas de avião,
debaixo de mim,
crepitam águas tenebrosas
com cristas de ondas próximas, indiferentes.
E nos dão as costas
ruas e passeios
de nomes que recentemente nos eram tão familiares:
Langelinie,
Katajanokka –
e – como num idioma quase estrangeiro –
Skeppsbrokajen…
No nosso tempo
todos os mares se converteram em lagos.
Pela primeira vez na história
a terra pôs-se redonda.
Eu vivo
com o horizonte desses olhos…
E os homens resistiram
rebelaram-se contra os centuriões da injustiça,
desafiaram o frio e o ardente sol metálico
dos campos de concentração,
resistiram no duro trabalho quotidiano,
o enganoso ronronar de um pedalar no vazio,
aguentaram o frio da cama solitária:
alguém soube quem são.
E tu por uns escarpados corredores, novos
apressas-te
com o peito dorido
por requisito de competência,
exigência de concorrência,
pelas ânsias e o direito
a uma vida própria:
à legitimidade de que sem falsas moedas
e falsa dependência
alguém possa eleger distância e proximidade,
terra de cultivo, terra rochosa e princípio; oh amor!
Levo a tua cruz ao pescoço.
Mas é uma cruz invisível.
Invisível como a grilheta
e o sinal da cruz na face –
Com as tuas unhas e a tua boca e os teus dentes
vacinaste-me
conta o nada.
E cada dia,
a nossa quotidianidade,
é um milagre.
Strömöverföring, 1997
Notas de tradução:
Langelinie: porto e parque de Copenhaga
Katajanokka: arrabalde de Helsínquia
Skeppsbrokajen: cais no centro de Estocolmo
HERZEGOVINA, NO CALOR DO MEIO-DIA
Já aqui estive antes.
No calor do meio-dia fui subindo pela íngreme viela
entre limoeiros e agaves
entre as pesadas palmeiras do Hotel Bokas
senti o apelo de uma figura apenas intuída:
mirra
e o frufru de seda branca e refrescante.
Mas atrás de fechados postigos
as sombras do passado
iam prosseguir a sua luta decisiva
sacar o punhal e a espada com raiva:
vi uma cimitarra em torno do sol!
Indeciso quanto ao caminho
demoro-me agora na morna sombra.
Mas a buganvília vermelha,
que cai dos muros quentes,
não oculta nostalgia alguma. Tu és o presente.
E para além da fortaleza de Spanjola,
o minarete turco,
a história é uma névoa que descansa
sobre a deslumbrante superfície do mar,
um pacífico murmúrio do porto.
As flores da verdade abrem-se até à tarde.
Não lhes tenho medo.
Entre as flores vermelhas do meio-dia,
junto à buganvília púrpura,
estás comigo perto, perto.
Com rápidas pernas andarilhas
vens de súbito até mim –
sinto as tuas coxas cálidas
em torno dos meus quadris –
E abraço-te,
firme das raízes do que cresce,
certo das cores intensas
que florescem no calor do meio-dia
e mais próximo
junto à deslumbrante
obscuridade –
atrevemo-nos ao desusado:
o agora.
Strömöverföring, 1997
Versão minha - © Amadeu Baptista
Östen Sjöstrand, nasceu em Gotemburgo, a 16 de Junho de 1925. Foi ensaísta, crítico literário, autor de peças de teatro e de uma ópera. Na sua ampla produção poética, destaca-se o seu intelectualismo e as referências à sua fé católica e à ciência. Pertenceu à Academia Sueca. Foi tradutor de Auden, Ritsos, Bonnefooy, etc. Faleceu em 2006.
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