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Biblioteca-Museu República e Resistência Rua Alberto de Sousa, 10-A 1600-002 Lisboa |
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Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida...
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que me abismaste nas ânsias.
Bateu asas para os céus,
Mas fechou-as saciada
Ao ver que ganhava os céus.
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.
Nem as linhas que protejo:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto.
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha, dentro de mim.
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
A morte da minha alma.
Uma gentil companheira
Que na minha vida inteira
Eu nunca vi... Mas recordo
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que sonhei!... )
Minha dispersão total -
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.
Eu beijo as minhas mãos brancas...
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas...
Que eram feitas pra se dar...
Ninguém mas quis apertar...
Tristes mãos longas e lindas...
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!...
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em uma bruma outonal.
E, louco, não enlouqueço...
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço...
Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba...
Paris - Maio de 1913.
Mário de Sá-Carneiro
Poemas Completos, Edição Fernando Cabral Martins, Assírio & Alvim, 2001