[Quatro fragmentos do capítulo Metamorfose e Catástrofe]
Os dedos demoram-se na sombra.
Suspendem-se no sangue poeiras germinantes, turvos
fluidos, fios translúcidos de sal e deslumbramento
que detêm o silêncio e estancam a luz.
Desvenda o coração o que o coração oculta.
*
O destino aniquila, propaga-se como um grito, no pranto esconde o pó da memória, a mão solitária, hóspede de uma ácida amargura, o rosto ungido pelo medo.
Às vezes sente-se morrer, esconde-se na amplidão da terra, a subtileza de um gesto que irrompe da pedra e assombra a manhã.
O mar recebe, os olhos sequestrados por um olhar mais cúmplice.
*
A sombra revela o significado oculto desse ritual
que o fogo
acumula no obscuro sinal de uma ruína sem nome.
Chamam-lhe escrita, outros preferem nomeá-la
como infinito
exercício de adivinhação, dizem-na outros arte,
enigma redentor a que se entregam os que crescem
para o abismo e perturbam as trevas.
Recompensa ou castigo, eis o que obstina.
*
Por essas horas as mulheres arrastam pelas praias
o espesso
manto da escuridão, convocam os mortos
às encruzilhadas,
libertam trémulas luzes de obscuros papéis e sombras calcinadas.
Corre implacável o curso da impaciência
sob a ofendida
serenidade do poema.
(in O Sossego da Luz, Porto, Limiar, 1989)
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