domingo, 24 de abril de 2011

A Sombra Iluminada, 2000


(imagem da capa indisponível)

Dois poemas de A Sombra Iluminada:

Toma do ar o fogo e bebe-o lentamente.
Há-de esse ardor inundar-te para sempre
porque além do canavial alguém proclama
que não é mais que fogo o ar que tu respiras.
A essa incandescência entrega o barro.
O que sair das mãos é tão sagrado
como o sopro que um dia te deu vida
e enviou para uma despedida
tão triste como é agora o teu olhar.
Enche os pulmões, aspira a tua dor.
Deus há-de reencontrar-te face a face
para que a sarça amplie sobre a noite
a luz dos elementos que respiras.
O ar, o fogo, a terra, a água exausta.

*
Um ângulo converge para o sortilégio
com que dulcificas o coração da urze.
Há doces rumos sob os teus cabelos.
Acenas e consentes que o anjo invoque
a pedra que nos une sob as águas.
De novo falas uma língua estranha.
Adere à pele a luz que vem da noite
e dá um nome limpo ao brilho do desejo.
Fosfeno e prata elevam-se nos ares
e adivinhas o mais secreto laço
que une os tempos sobre a praia amena.
  Be my stranger.  – , dizes. E o arco solta
um clarão invisível sobre as casas
que aguardam apenas o estremecimento
para que algo inviolável se inicie.
Esta é a tua casa, a curva de onde lanças
algumas das palavras preferidas
ao caudal da vertigem onde te perdes
para que algo absoluto ressuscite
desse fruto macio.
Eleva as mãos e canta. Eis o caminho.

(in Vários, Douro: Um Percurso de Segredos... S/l, Instituto de Navegabilidade do Douro/ Campo das Letras, 2000)

1 comentário:

  1. Magníficos poemas, Amadeu.

    Não conhecia nada da tua obra, nem nada sabia de ti até chegar ao blog do António Cabrita, aquele ser estranho desterrado (ou enterrado, chego a supor) em Maputo.

    Voltarei com mais calma para ler tuas postagens anteriores.

    Um abraço

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