José Félix Duque, poeta convidado
3 POEMAS
ó Duque
Andas outra vez místico? canta agora se queres cantar,
Canta-nos uma dessas tuas canções Longas líricas Ridículas,
Uma canção que te faça andar por entre nós com um corpo a sair do tempo
Um corpo que se pensa imorredouro.
Anda por entre nós Imediato e canta
Uma canção que seja dessas que cantas,
Longas Líricas Ridículas loucas
Enquanto nós ficamos aqui a olhar para ti
Para nos rirmos à gargalhada
E virarmos as costas
antes mesmo de te mandarmos para dentro.
Para ti
O meu canto cantado sobre as ginjeiras
O meu canto cantado sobre os salgueiros
O meu canto cantado sobre os rios
O meu canto cantado sobre o castelo
O meu canto cantado Já fora do exílio!
Canto com as harpas e as liras todas
Canto com as mãos a esmagar até ao caroço
Canto com força
Pulsante
Toante
Bastante
Ah leitor!
Um só leitor basta-me para isto
Eu tenho os teus olhos a ler-me –
Não há maior libertação –
Vamos,
Ergamos
o copo!
O Poema vai adiante,
ei-lo a levantar-se dos depósitos,
soltando os canais da espremedura,
abrindo as comportas da adega
Ei-lo a quebrar a laje que fica à esquina da vinha dos mortos,
Ei-lo sentado à mesa deste café,
Ou à porta da biblioteca,
Ou à porta da livraria
Depois de ter encontrado a pequena estante dos versos
(Não desistas,
Talvez estejam arrumados na última secção da Literatura Estrangeira)
Ei-lo que rejubila por ter descoberto um novo poeta
Ei-lo que sai inquieto com os clássicos e os Neo-Não-Sei-Quantos,
Em busca de um assento para logo abrir cada volume
Para logo ler, para logo devorar –
Ah, o cheiro dos cadernos! O cheiro do papel e da tinta!
Ah, o odor de Santidade o cheiro dos céus,
Corações ao alto!
Corações ao alto!
Fragmento de Super Flumina Babylonis, no Contador, de Domingos Fernandes Leitão (inédito)
Sic transit gloria mundi
Esqueceres-te de quem sou,
e mais ainda de Quem Fui – do Sonho, do meu combate.
Da minha cabeça em agonia
Que já pouco vai recordando.
Esqueceres-te totalmente do que tenho escrito.
E também do que tenho lido.
Isso – profunda tristeza, não haver Fama
Nem glória.
Assim – Profunda, não teres memória
de mim
Não ergueres monumentos [nem sequer os mortuários]
Não veres o meu nome inscrito na madeira dos cedros.
Não saberes, Pois
Do que vivo
Do que penso
Do que sinto –
Cair doente e miserável
Na corrupção do livro –
Capítulo a capítulo,
Arrojado ao pó.
Ali – capitulando no fosso da Literatura.
Primeiro o miolo carcomido,
Depois,
Ah depois a capa, a lombada
A armadura
A espada
e tudo o mais que houver.
Nada restando do original
Nada ficando das muitas versões que ele teve.
[Talvez ainda tenhas piedade
Lendo-me dois versos de algum poeta (aclamado ou derrotado,
Tanto me faz, desde que o seja)
Enquanto eu morro na minha esplêndida cama de campanha]
In Contador, de Domingos Fernandes Leitão (inédito)
Fotos ilustração dos poemas: © de Amadeu Baptista
José Félix Duque nasceu a 29 de Abril de 1975. Publicou Canções para os meus filhos mortos (Cosmorama, 2005) e Quando mais luz (Cosmorama, 2006), bem como vários poemas dispersos por antologias e revistas, alguns traduzidos para inglês e francês. Organizou, com Alexandre Nave e Pedro Sena-Lino, a antologia O livro de Natércia (Quasi, 2006). Tem por publicar os livros Salvator Mundi e Contador, este último sob o nome do seu oitavo-avô Domingos Fernandes Leitão, o Moço (1602-1680).
Obrigada por esta bela partilha Amadeu*
ResponderEliminarGosto muito dos poemas de José Félix Duque.
Felicito-o pelo seu trabalho de divulgação. Bem-haja!!