segunda-feira, 12 de março de 2012

José Félix Duque


José Félix Duque, poeta convidado




3 POEMAS




Dizem-lhe – 
ó Duque
Andas outra vez místico? canta agora se queres cantar, 
Canta-nos uma dessas tuas canções Longas líricas Ridículas, 
Uma canção que te faça andar por entre nós com um corpo a sair do tempo 
Um corpo que se pensa imorredouro. 
Anda por entre nós Imediato e canta 
Uma canção que seja dessas que cantas, 
          Longas Líricas Ridículas loucas 
Enquanto nós ficamos aqui a olhar para ti
Para nos rirmos à gargalhada
E virarmos as costas
     antes mesmo de te mandarmos para dentro.


Fragmento de Super Flumina Babylonis, no Contador, de Domingos Fernandes Leitão (inédito)







Para ti 

O meu canto cantado sobre as ginjeiras 
O meu canto cantado sobre os salgueiros 
O meu canto cantado sobre os rios 
O meu canto cantado sobre o castelo 
O meu canto cantado Já fora do exílio!
Canto com as harpas e as liras todas
Canto com as mãos a esmagar até ao caroço
Canto com força
                           Pulsante
                                      Toante
                                               Bastante
Ah leitor!
Um só leitor basta-me para isto
Eu tenho os teus olhos a ler-me –
Não há maior libertação –
                                           Vamos, 
                                Ergamos 
                                        o copo! 
                              O Poema vai adiante, 
                ei-lo a levantar-se dos depósitos, 
        soltando os canais da espremedura, 
                abrindo as comportas da adega 
Ei-lo a quebrar a laje que fica à esquina da vinha dos mortos, 
Ei-lo sentado à mesa deste café, 
Ou à porta da biblioteca, 
Ou à porta da livraria
Depois de ter encontrado a pequena estante dos versos
(Não desistas,
Talvez estejam arrumados na última secção da Literatura Estrangeira)
Ei-lo que rejubila por ter descoberto um novo poeta
Ei-lo que sai inquieto com os clássicos e os Neo-Não-Sei-Quantos,
Em busca de um assento para logo abrir cada volume
Para logo ler, para logo devorar –
Ah, o cheiro dos cadernos! O cheiro do papel e da tinta!
Ah, o odor de Santidade o cheiro dos céus, 
Corações ao alto!
Corações ao alto!


Fragmento de Super Flumina Babylonis, no Contador, de Domingos Fernandes Leitão (inédito)








Sic transit gloria mundi 

      Esqueceres-te de quem sou, 
e mais ainda de Quem Fui – do Sonho, do meu combate.
Da minha cabeça em agonia
Que já pouco vai recordando.
Esqueceres-te totalmente do que tenho escrito.
E também do que tenho lido.
Isso – profunda tristeza, não haver Fama
Nem glória.
Assim – Profunda, não teres memória 
de mim
Não ergueres monumentos [nem sequer os mortuários]
Não veres o meu nome inscrito na madeira dos cedros.
Não saberes, Pois
Do que vivo
                 Do que penso
                                     Do que sinto – 
Cair doente e miserável
Na corrupção do livro – 
Capítulo a capítulo, 
               Arrojado ao pó.
Ali – capitulando no fosso da Literatura.
        Primeiro o miolo carcomido,
Depois,
Ah depois a capa, a lombada 
A armadura
A espada 
e tudo o mais que houver.
Nada restando do original
Nada ficando das muitas versões que ele teve. 
[Talvez ainda tenhas piedade
Lendo-me dois versos de algum poeta (aclamado ou derrotado, 
Tanto me faz, desde que o seja)
Enquanto eu morro na minha esplêndida cama de campanha]


In Contador, de Domingos Fernandes Leitão (inédito)




Fotos ilustração dos poemas: © de Amadeu Baptista


José Félix Duque nasceu a 29 de Abril de 1975. Publicou Canções para os meus filhos mortos (Cosmorama, 2005) e Quando mais luz (Cosmorama, 2006), bem como vários poemas dispersos por antologias e revistas, alguns traduzidos para inglês e francês. Organizou, com Alexandre Nave e Pedro Sena-Lino, a antologia O livro de Natércia (Quasi, 2006). Tem por publicar os livros Salvator Mundi e Contador, este último sob o nome do seu oitavo-avô Domingos Fernandes Leitão, o Moço (1602-1680).

1 comentário:

  1. Obrigada por esta bela partilha Amadeu*
    Gosto muito dos poemas de José Félix Duque.

    Felicito-o pelo seu trabalho de divulgação. Bem-haja!!

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