terça-feira, 27 de março de 2012

Henrique Manuel Bento Fialho


Henrique Manuel Bento Fialho, poeta convidado


3 POEMAS INÉDITOS


LUME BRANDO

1. (28.5.07)

Que nos prende a este lugar de sol
onde nada brilha? Estrelas cadentes,
arrastamos a sombra pela terra
das paredes, ocultamos os anseios
de quem segue para um fim certo
com meios pouco mais que inseguros.

Este lugar que habitamos, lugar
precário, este lugar lodoso, lamaçal
sombrio, este pântano de arbustos
falantes, com ossos e carne e sangue,
este lugar medonho é uma casa
difamante. Entramos nela como quem
entra no estômago de um animal
enorme, mitológico. Vamos ficando,
ora dormindo, ora lúcidos, vamos
ficando neste lugar de sol onde nada
brilha. À espera, talvez, que um dia
a terra se transforme num céu
onde possamos exibir a nossa rude
e insustentável luminosidade.

Mas sabemos improvável esse dia.
Por isso recolhemos os corpos
para dentro de uma respiração ímpar,
acordamos ao lado do desejo,
de mãos vazias, e sonhamos. Por isso
erguemos os corpos da cama
para mais uma hora anafada de medo,
para mais um dia de solidão, único
sol que ainda brilha neste lugar.





2. (17.5.07)

Cuidado ao entrares neste poema,
ele é frágil como uma encomenda,
circula nele como se estivesses
numa loja de cristais com bonecas
de porcelana. Cuidado, não partas
um dos seus ângulos mais voláteis,
é que este é um poema escrito
na hora de ir à piscina, em mariposa,
a saltar por cima do lava-pés
para não sujar as solas dos sapatos.
Este é um mergulho sem prancha,
assim muito à maneira de quem
abre minis pretas com os dentes,
olha as varinas no passeio e assobia:
desse-me Deus um tanque destes…






3. (9.5.07)

Àqueles que vingam em lume brando,
com ódios de surdina improvisados,
e seguem pela calada da vingança
até ao cume dos seus próprios tremores,
eu digo: olha que coisa mais linda, mais
cheia de graça; ou, em alternativa,
faço voz grossa e canto: I see skies of blue
and clouds of white, The bright blessed day,
the dark sacred night. Se não entenderem,
então sim, ocupo-me das feridas,
limpo docilmente o corte, sopro no ardor
a ver se faz chama e brasa suficientes
para grelhar no corpo a alminha sem sal.




Fotos:  ilustração dos poemas: © de Amadeu Baptista


Henrique Manuel Bento Fialho nasceu no dia 20 de Novembro de 1974. É licenciado em Filosofia. Trabalha, desde o Natal de 2008, como livreiro. Mantém o weblog Antologia do Esquecimento. Publicou vários livros, dos quais não destaca nenhum. Tem no prelo um caderno intitulado «Rogil», a ser publicado pela editora Volta d’Mar. Palavras suas vão sendo semeadas por diversas antologias e revistas. Não está preocupado com o futuro.

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