José Luís Tavares, poeta convidado
MEDITAÇÃO SOBRE O PAÍS DO BASALTO
É por certo a dor de cada dia
que faz o peso do homem sobre a terra
fá-lo irmão do fogo e das moventes nuvens
sem a apreensão que os maus fados
preconizam
oh quem pudesse de olhar posto
sobre o passado e o futuro dizer
tenho o tamanho do que vivi
para continuar bastam-me
estas mãos estes pés e estes olhos
para a gente que se espraia
sobre o chão da vida
eu tenho apenas estas pobres palavras
é pouco muito pouco
mas é nelas que enredado vivo
com seus ferros e seus gumes
e se não erro certos perfumes
que deixa a gente viva do meu país
caminhando pela vida acima
naturalmente
como quem dá os bons dias
ou ao fim da rua sobre o basalto
escuro faz um pobre desenho a giz
não me perguntem não sei o que diz
mas com altiva doçura transponho-o
de um salto como quem cruza
as fronteiras de um outro país
mas é aqui o meu país
canteiro corrido com ar de petiz
barro vermelho basalto negro
polidos com cuidados de aprendiz
da mansidão que cai sobre estes umbrais
avesso das bravias bravatas
dos que astuciosa e insidiosamente
atiçam o norte contra o sul
e erguem a língua traiçoeira
como um corrimento fétido e alucinado
mas há o bafo limpo da gente sorridente
de mãos calosas e abraço quente
há as praias de sol silente
morrendo nos batentes do dia
mas a semente da vida planta na cerviz
do habitante erguido sobre a pedra da matriz
(e há sobretudo a promessa que reconhece
no fulgor dos campos entrado outubro)
mesmo quando alguém lhe diz
hoje morreu um homem
de seu nome chamado luiz
não morreu porque quis
mas porque a morte meretriz
o marcara com a sua bissectriz
então a tristeza essa velha actriz
baila sobre os campos do meu país
onde não cresce a flor de lis
mas aprende a gente a ser raiz
sob o vento vício veloz
sulcando o tempo buscando a foz
é isto sim é isto o meu país
pátria pequena sem cláusulas minuciosas
para a servidão que lhe prometo
honradamente nas palavras
nem virtuoso nem iluminado
mas de face erguida e boné na mão
saudando a gente alevantada do meu país
© de José Luís Tavares
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