segunda-feira, 16 de junho de 2014

Vitor Vicente



VITOR VICENTE, POETA CONVIDADO


TRÊS POEMAS




KADISH PARA MAGDALENA W. 1971-2012 (QUASE EM KATOWICE)


Nunca a conheci, mas sei que sempre sentirei saudades suas.
Deste mundo, batido a teclado e entre um monitor e outro,
Guardarei as nossas memórias numa gaveta ou num guarda-roupa
Simbólicos, à semelhança da mobília dos quartos de hotel onde
Não nos amámos e que ficaram permanentemente pendentes.
Tínhamo-nos por irmãos. Tanto maior a irmandade, maior o
Incesto. Gémeos e génios, logo imperfeitos. Socialmente
Inadequados, separados no amalbençoado tempo do berço.
Serve todo este cinismo para que me seja permitido tratar o seu
Túmulo por tu. Ainda que nem no túmulo me dará honras de visita.
A seu pedido, suas cinzas serão levadas da Polónia e espalhadas
Nas colinas de Jerusalém. Onde, afinal de contas, daqui de Dublin
Ou de Katowice, vou todo o santo dia. Talvez por isto, tudo será como
Antes e continuaremos a conversar à distância. Sempre, sempre
Sem a ver e sem a ouvir. Sempre a senti-la de perto. Com a diferença de
Que, em vez de ansiedade por conhecê-la, sentirei saudades dela,
Sem que nunca a sequer tenha conhecido.




UM RELÓGIO CHAMADO ROSA (AINDA EM DUBLIN)

O ponteiro deste relógio é sem porquê. Sem que me
Dê uma resposta, o despertador toca. Volta a tocar,
Como quem riposta. Abro os olhos e vejo que os ponteiros
Estão deitados um sobre o outro e que ela não está mais a
Meu lado. Aquela que me tentava agarrar como uma (e cito-a)
“ Spider”. Ainda que não me tenha levantado, estou acordado.
Pelo menos, acordado para a pessoa que, algures na Foz do
Iguaçu, me deu este despertador e para o fato de, dias depois,
Ter começado a acordar ao lado de outra pessoa durante muitos dias,
Meses, mais de um ano, quase dois, o tempo suficiente para pensar
Que a seu lado iria acordar numa sucessão de dias que supomos
Ser infindável. Também estou desperto para o dia em que me
Despedi daquela me deu o despertador e que me disse:
“Vais sair deste quarto e nunca mais te vou ver”. Era verdade.
Confirmo, assim como, cabisbaixo, me envaideço e envergonho
Doutra verdade. Que, desde então, tenho sido despertado ao lado
De muitas mulheres que não voltei a ver no dia seguinte - algumas
Das quais não as voltei a ver nunca mais. O que não quer dizer
Que tenha aprendido a lidar com despedidas. Quando toca a
Pequena-morte, desmancham-se os mestres.




PRINCESA NEDA-MAIS-QUE-TUDO (DEBANDA DE BANGKOK)

Princesa de uma Pérsia mais que perdida,
Princesa sem preço, intocável. Exilada
No aparente distante reino da Tailândia.
Enquanto o seu principiado se esconde,
Atabalhoado,atrás das burkas, e, pelos
Buracos das ditas, espreita a réstia de estrelas
– Lá longe, ainda que no mesmo continente -
Ela veio à procura da vida. Quando a verdade
É que viver assim, encadeada pela alucinante
lâmina da lucidez, é viver sob o jugo do verdugo.




 © dos poemas; Vitor Vicente; da foto abaixo: Amadeu Baptista






Vitor Vicente, nasceu no Barreiro, em 1983. Em 2006 radicou-se em Barcelona e em 2010 em Dublin. Encontra-se em nova fase de mudança, desta vez para Katowice. Viajou por 50 países. Publicações: três livros de poesia, um diário e uma peça de teatro, além de crónicas e contos em revistas em Portugal, Brasil e Espanha. Blogs: autor de Diáspora de Dublin (http://portuguesevagamundo.blogspot.com/) e colaborador de Lisboa-Jerusalém (http://lisboa-telaviv.blogspot.com/)

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