sexta-feira, 13 de junho de 2014

Claes Andersson




POEMAS DE CLAES ANDERSSON




CASO 232

Onde vamos dormir esta noite
Onde vamos aquecer as mãos roxas de frio esta noite
Se se é dois está-se um pouco mais quente
Apertamo-nos um contra o outro
Aquecemo-nos um ao outro as mãos entre as pernas
Avisa-me se sentes que estás a morrer
Porque então levas todo o meu calor e acordo gelado

Det är inte lätt att vara villaägare i dessa tider, 1969




O SOCIÓLOGO BURGUÊS COMO SALTADOR À VARA

Respira profundamente e arranja a gravata
Escarva ligeiramente com o pé e contempla a fasquia
que remonta nas alturas – a revolução estudantil –
Um último olhar para a tribuna, agora
inicia a corrida, acelera, coloca a vara
na fenda, eleva-se no ar
e fecha os olhos
Um momento depois, no colchão de espuma do fosso,
olha para o alto
A fasquia permanece no lugar

O público das tribunas aclama-o
Indiferente recebe os aplausos
Como não se deu conta ninguém
de que passou muito por baixo da fasquia?

Que nem sequer a roçou?
O público é míope e de idade avançada
Aos funcionários da competição pagam bem
Subam a fasquia! ordena displicente
Respira profundamente e arranja a gravata

Det är inte lätt att vara villaägare i dessa tider, 1969





Sob o esplendoroso verdor da bétula
entre resplandecentes lilases em flor, no meio de uma nuvem
de mosquitos está tombado um homem ilustrado a ler:
introdução à teoria económica do marxismo
Sente profundamente o aroma da bétula
O intenso perfume dos lilases adormece-o
e fica adormecido, com o livro
sob a cabeça, o imenso sonho
no coração.
Quando desperta já é outono
A bétula amarelece, os lilases estão murchos, os mosquitos
morreram de frio, os exploradores engordaram
Ele continua a ler de onde tinha ficado

Bli tillsammans, 1970





Amar é respeitar
A independência do ser amado
Assim concebo eu o amor
Onde raio se meteu esta mulher

Bli tillsammans, 1970




NÃO OLHAM A MEIOS

Acautela-te daquele que diz representar
a voz de muitos.
Talvez o faça.

Acautela-te daquele que diz falar
apenas por sua conta.
Talvez o faça.

Acautela-te daquele que só acena
com a cabeça.
Amanhã o aceno pode afectar-te a ti.

Acautela-te daqueles que só querem viver
a sua vida em paz.
Não olham a meios.

Rumskamrater, 1974





Roubai-nos e chamai-o economia nacional.
Tirai-nos as nossas casas e chamai-o planificação regional.
Humilhai-nos e chamai-o assistência social.
Ponde-nos loucos e chamai-o higiene mental.
Envenenai-nos e chamai-o conservação do meio ambiente.
Adormecei-nos e chamai-o ideologia de consumo.
Deixai-nos no desemprego e chamai-o reconversão.
Confundi-nos e chamai-o publicidade.
Vendei os nossos corpos e chamai-o liberdade sexual.
Enganai-nos e chamai-o política de rendas.
Coisificai-nos e chamai-o nível de vida.
Escarnecei do nossos trabalho e chamai-o reforma antecipada.
Menti-nos e chamai-o liberdade de expressão.
Tiranizai-nos e chamai-o democracia.

Rumskamrater, 1974




Numa só noite o jardim converteu-se em algo gelado e branco
As crianças saíram correndo para o jardim e transformaram-se em duas
estridentes bolas de neve que rodavam de um lado para o outro
Recordo a sensação que me provocou a sua alegria
Agora estou congelado até ao fundo como o arroio que se deteve
preso por um rio excessivamente violento
O que vamos fazer com tudo o que sabemos?
Os optimistas impenitentes não fazem ninguém feliz
Cada vez há mais gente que dirige os olhos para o seu interior, até essa
    deformação
As bolas de neve entram rodando e deixam pocinhas no chão
Não grito às crianças, poderia
chorar de alegria por tê-las comigo
um pouco mais de tempo
O que mais amamos é o que já estamos a sentir a falta
Na época dos ismos o vermelho era todavia a cor da esperança
Não o do sangue derramado sem sentido, não o dos khmeres,
não o do grandes arquipélagos…
No entanto eu não tenho forças para viver no passado e no futuro
todo o tempo, para ansiar o que desapareceu, recordar o futuro

Tillkortakommanden, 1981






(para Pentti Linkolla)

A certeza da catástrofe ecológica paralisa-nos
Reagimos de diferentes maneiras, tu crês no Baader & Meinhof
A alguns mete-se na cabeça que já nada significa nada
Outros pensam que agora o que importa é viver de verdade enquanto
reste algo para viver
Um odor como de ratazanas introduz-se furtivamente nas nossas
    conversas
Procuramos biombos, não queremos saber para nada das tuas ideias:
das guerras como algo necessário e desejável
da solidariedade como o mais factídico do ponto de vista ecológico
Adam Smith e Keines transformaram-se em fantasmas da nossa
    infância
A ideia de que apesar de tudo Malthus tinha razão tortura-nos, ao
    menos a alguns de nós
Eu apenas vi fotos das selvas do Brasil e das suas feridas
No entanto penso nelas como nos pulmões dos meus filhos
É simplesmente muito difícil renunciar ao humanismo, que
tantos privilégios nossos e dos nossos amigos legitimava
Se todos alcançam o meu alto nível de vida, dizes, acaba-se toda a esperança
Tu estás descontente com as nossas tentativas de cortar, como dizemos
Odeias-nos a nós que te levamos a sério, fazendo-nos por exemplo
    vegetarianos
Vamos a cursos de jejum, de meditação, ao solário, massagem eléctrica,
    body-building
Ponho uma fotografia do «homem mais gordo do mundo» em cima do
    frigorífico
O pior é o capitalismo e o socialismo têm o mesmo motor:
Mais! Maior! Mais depressa!
Estava-se melhor pois em 1848, inclusivamente em 1871. A Fé da Esperança e
    o Amor sentiam-se mais firmes
Já não nos perguntamos o que será de nós e dos nossos filhos
Somos a geração três mil de seres humanos, dizes
No entanto eu só tenho forças para pensar na três mil e um
As crianças pediram um vídeo como prenda de Natal~
No meu caso aí está o limite, pelo menos este ano

Tillkortakommanden, 1981





Quando nasci Helsínquia era uma cidade
de tamanho médio com ruas calcetadas
Uns anos depois estalou a guerra
Eu acabava de aprender a calar-me
Após os bombardeamentos havia senhoras idosas
dispersas pelas ruas Tratavam de nos matar a todos
Não havia ordem alguma
Numa das noites fanáticas em tudo ficou negro
a minha mãe levou-me para o refúgio
Depois desapareceu, ela não tinha olhos
Havia frio e humidade e escuridão
Notava-se nos pulmões
Ali havia uma porta de ferro que era proibido abrir
Quando fechei os olhos a casa transformou-se
num balanço de teia de aranha onde estavam suspensos
todos os mortos em compridas cordas no corredor do sótão
Justamente quando caiu ali perto uma bomba estavam-se a abraçar a mamã
    e o papá pela última vez
como num filme interditado a menores
As sirenes de alarme tinham-se posto loucas, entrevam-me
nos ouvidos através dos tampões
O papá nunca estava lá embora eu não pensasse nisso
Descia o meu gato branco à cave Estivemos ali
tanto tempo que ficou cego e fugiu
Alguém o encontrou com a cabeça esmagada num caixote
onde se punha Papel de jornal
Reconheci-o, claro, compreendi que
não se podia confiar em ninguém
Não chorei, estava completamente seco
Senti que me apartava de mim e vi-me
caído ali mesmo sem cabeça
Susti a respiração para que o meu gato recuperasse
Não o consegui
Os meus pulmões eram imprestáveis, em breve ia morrer
Vivíamos na água sob a capa de gelo
Eu era uma criança tranquila, desfazia a cabeça
às ratazanas com a minha espingarda de ar comprimido
Era demasiado doentio respirar
Algo se movia como um pêndulo de um  lado a outro
no fundo baixo da água
Pareciam os restos de uma criança pequena
com calças de golf que tinha ficado gelado sob o gelo

Under, 1984





Justamente agora encontro-me onde prefiro estar
            por cima de tudo.
Justamente agora a paisagem é o que prefiro contemplar.
A que dorme na minha cama é aquela com quem prefiro
            dormir.
Esta sanduíche sabe melhor que todas as demais sanduíches.
A erva do nosso lado da cerca é mais verde que a do
            outro lado.
Este verão é mais belo que todos os verões da infância,
            todas as outras enfermidades.
A minha nostalgia é maior que qualquer outra com que tenha topado.
Não mudaria o meu rosto no espelho por todos
            os espelhos do mundo.

Huden där den är som tunnast 1991





Toca a pele aí onde mais fina é.
Humedece com a língua os lugares mais sensíveis.
Não introduzas pregos no coração da tua amada.
Quando voam pássaros através de nós ganhamos asas.
O que tem forças para chorar não se afoga.
Não houve ninguém tão protegido como nós entusiastas.
Lá onde acontece cresce agora uma cama de flores.

Huden där den är som tunnast 1991





Uma pessoa congelada não se deve
            descongelar demasiado depressa.
As células transbordam, as paredes rompem-se,
            o coração pára.
Não ponhas nunca uma pessoa congelada
            no micro-ondas.
Põem-na numa cama dura num quarto
            que dê para o norte, abre todas as janelas.
Não lhe dês mantas nem almofadões,
            o que precisa é de firmeza.
Quando comece a pedir água aos gritos, atira-lhe
            uns pedaços de gelo.
Quando tiver fome, umas côdeas de pão.
Não estejas demasiado tempo no quarto
            para que não te tome o afecto.
Necessita solidão, isolamento.
Dá-lhe para se abrigar um pedaço de pano grosso.
Quando por fim tiver recuperado algum do seu calor
            falar-te-á de paisagens de uma
                        particular beleza e esterilidade.
Isto sabem-no todos os exploradores polares, os alpinistas,
    os sem-abrigo e os médicos dos cuidados intensivos.

Huden där den är som tunnast 1991


O que temos em falta nunca o perdemos nunca.
Ao que amámos sentimo-lo em falta sempre.
Não perdemos nunca o que amamos.
O que amámos amamo-lo sempre.

Dikter från havets botten, 1993



Versão minha - © Amadeu Baptista









Claes Andersson (1937). Nasceu em Helsínquia. É médico psiquiatra. Nos anos sessenta do séc. XX foi director da revista FBT. Foi presidente da Sociedade de Autores da Finlândia (de expressão sueca). Poeta, romancista, dramaturgo. Tradutor para sueco de autores finlandeses.

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