Tenho livro novo, acabado de editar na Galiza pela editora Espiral Maior, na sequência de ter ganho, no ano passado, o XXIX Prémio de Poesia Cidade de Ourense. Deste livro sairá muito em breve a edição portuguesa, que presumo será distribuída nos inícios de Setembro, com a chancela da &Etc.
Aqui deixo o poema que tem início na página 103:
UM SONHO DE JORGE LUÍS BORGES
A máscara pertence ao domínio
de quem vem ao palco agradecer três
vezes
e corre perigo demasiado tempo
para encontrar a essência.
Atrás da coluna a máscara conclama
os sátiros da república, a
procissão sacerdotal,
as linhas de angústia do real,
os bárbaros que estão no meio de
nós.
No proscénio, alguém usa a máscara
sob a fantasia
de coração arrebatado e credores à
porta,
enquanto a acção decorre alheia à
sedição
e o homem de joelhos suplica.
À luz contemporânea a máscara vai
de taberna em taberna à espera que
o absinto
volte de novo ao encanto
e às ramificações esplendorosas do
quotidiano.
A máscara do algoz será mais
requisitada
depois do curso unívoco dos nossos
predadores,
e em chapas metálicas de alumínio
reverterá em favor da eternidade.
Esta máscara simples e
surpreendente
é o litígio, os sete pecados
capitais;
em cada incandescência
a pantomina condena-nos à
excrescência.
Esta será a máscara de Keats, ou
mesmo de Pessoa.
Os poetas são da ciência obscura o
vaticínio,
haja ainda alguma estrela para ver
sob o céu sem estrelas que nos
coube.
Também a máscara do rigor se
apresenta
neste constrangimento;
o corpo escava a escarpa
e o ruído de fundo é o demónio a
marcar território.
Raiz e precipício é a máscara da
morte
quando corre o vinho pelas
gargantas
para contagiar quem vê e aplaude,
os dois dias da vida, os três do
carnaval.
Observe-se esta máscara quase
derradeira
que passa nos bastidores e não
entra em cena.
Morto de fome o povo vem atrás
e acena à prosperidade infinita da
cidade.
Em literatura a máscara ou a cabeça
induz à clonagem e à queimadura.
Sob o cérebro o olhar é mais severo
e a máscara prolixa, sempre
irreversível.
A soletrar um verso, não obstante
os centros comerciais e os bancos
ingleses,
vem a máscara de novo à cena
dizer que a vergonha engendra mais
vergonha.
A máscara expectante, a máscara do
drama.
Quando voltarmos a casa o filme a
cores enfada,
tornámo-nos gente impaciente a
afivelar
a máscara do sortilégio ausente.
A máscara da tragédia vem ao poema
corroborar a faca, a liga, o
sindicato.
Não é nunca a máscara mais que
ornato,
acontece tantas vezes no nosso
assassinato.
A máscara interior, o seu diálogo
perdido entre o onanismo e a
festividade:
tantas vezes vai o cântaro à fonte
que chove dentro de casa.
A máscara dos iníquos, a máscara
dos equídeos.
De vazio em vazio passamos
brandamente
e só o actor sabe como a cicatriz
reluz
e só a actriz sabe como cicatriza a
luz.
A máscara do amor: a secreta
paisagem
que nos traz aqui em busca da nossa
própria máscara.
Adeus penumbra e imensidão de
lágrimas,
cabe ao poeta a máscara da ternura.
(in Um Pouco Acima da Miséria. Espiral Maior, Corunha, Espanha, 2014)
© Amadeu Baptista
muito, muito, muito
ResponderEliminarum beijo de agradecimento
aguardo Setembro para o comprar