quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Caj Westerberg



                                          POEMAS DE CAJ WESTERBERG

Às vezes recompensa caminhar pelo bosque
                                   e escrever com o vento.
Como recompensa pode-se obter por exemplo
                                   uma cesta de cogumelos.
E isso sem necessidade de negociar com qualquer funcionário.

Kallista on já halvalla menne, 1975



Compra-se e vende-se
vende-se e compra-se
a nossa própria vida.
Pois, pois.
Bem cara é
e vende-se barata.

Kallista on já halvalla menne, 1975



Ela gostaria
que eu
cortasse a erva do jardim.
E eu que adoro
a erva selvagem.
Como a adoram as serpentes.

Kallista on já halvalla menne, 1975



O som mais simples,
o som do vidro
quando pousas o copo
sobre uma mesa de madeira, o sim da madeira
no vidro
            é como
um sinal de alegria
num rosto triste.

Reviirilaulu, 1978



Não tenho forças para esquecer, nem para recordar.
O rosto húmido da noite
lança-se de um lado a outro
tratando de agarrar algo
que jamais se escreveu.

Reviirilaulu, 1978


Quando cuida de falar
golpeia a cabeça contra o muro
tratando de expressar a sua angústia,
temeroso, cuidadoso, aterrado, num idioma
que talvez não exista,
portanto não poderia desvelar
a verdade nem para os seus olhos nem para os dos outros,
bem se vê,
                  e por um momento
                  não posso resistir à tentação de querer
que este mundo
seja um quarto
onde possa dar-se a volta,
abrir a porta, sentir os aromas da manhã e juntar-se com as cores,
onde possa descansar
sobre as distantes colinas.
O que diria:      Terrível é a situação do homem,
                          aqui a cegueira faz estragos
                          como dor desenho eu
                          as linhas das minhas experiências,
                          anoto os terrores da injustiça.

Reviirilaulu, 1978



A mim não me fazem dormir.
Depois da sauna bebo um copinho de aguardente
e sento-me a contemplar a abalada do sol.

Não é fácil
viver de verdade. Difícil
é morrer.

Reviirilaulu, 1978



Dois tímalos tinham caído na rede.

Ali estão enquanto remo
no fundo da barca sob a nevada
como os dois peixes de Jesus.
Ou eram cinco peixes e dois pães?
Não me lembro. E sinto
como se também me tivesse esquecido
de tudo o mais. A vida
leva como eternas cargas as suas recordações, o seu esquecimento,
logo será tudo
esquecimento, como a barca que desliza
através desta crua paisagem.
O esquecimento, cuja semente
é rara.

Da memória da terra logo terão caído
não apenas estes tímalos, de flancos de prata, logo
serei esquecido, oh, eu sou esquecimento
ainda que aqui não tenha tratado de me ajudar com
o ponto de vista da abóbada celeste,
e no entanto não posso resistir a falar de estrelas,
de estrelas que iluminam com uma luz que se desprendeu delas
há anos, decénios, séculos, milénios
milhões de anos
antes que se rompesse o manancial dos meus olhos.
Estrelas que agora
flamejam luz, raios que
possivelmente penteiam a areia
onde o meu crânio embranqueceu.
Abóbada celeste,
cês estrelado à noite,
e nada do que vi
era simultâneo, excepto em mm, não deveria
eu começar a tactear?
Oh arrepiante distância de anos luz
entre duas luzes
que bruxuleiam uma ao lado da outra
verde, azul, vermelho, amarelo,
gélidos estampidos de luzes de estrelas, simultâneas apenas
nos meus olhos.

E flamejavam
como se se tivessem repetido em mim
as auroras boreais
que flamejavam no céu varrendo estrelas.

E os peixes, os tímalos, os flancos prateados
que jazem sobre a madeira no fundo da barca e eu, remador,
e Jesus,
somos acaso outra coisa que
o corte de um instante, que luminoso cinde o universo da eternidade
e a eternidade do universo, para apagar-se
no ardente seio materno.

É o que me acontece
aqui remando sob o nevão
a vida
cada vez mais querida.
Cada folha ardente em
cada bétula anã.

Reviirilaulu, 1978


Se ao homem não se atormenta,
se não se o atormentou,
escolhe bem,
sempre.

Se ao homem se atormenta,
se se o atormentou,
escolhe mal
e altera-se.
Ou bem. Ou
abstém-se de escolher.

Um homem alterado
é como um ninho abandonado.
Alguém se aproximou sem cuidado.
E molestou o ninho.

Reviirilaulu, 1978



O pássaro nãos abe
como voa ou como canta.
O açafrão não sabe como brilha a violeta.
A rapariga não sabe como olha, como olha:
ou sabe-o, melhor
é que nunca voltes os teus olhos para ela, ou tudo
se complicará extraordinariamente.

Kirkars nimetön yö, 1985



Na noite
o lago põe-se sem um estremecimento
espelho do bosque, que suga o céu até às suas profundezas
A galinhola no seu voo solitário
desenha a sua sombra tremente sobre a pele do lago.
A tua pele
tremente agora.

Kirkars nimetön yö, 1985



Como dizer
isto de outro modo.
Trato de ver o teu olhar.
Mas nos teus olhos destrói-se
sempre tanta da minha luz
rapidamente
como a luz.

Kirkars nimetön yö, 1985


Versão minha - © Amadeu Baptista
 
 
 
 



Caj Westerberg, nasceu na cidade de Porvoo, em 1946. Estudou nos Estados Unidos. Foi marinheiro e empregado numa livraria.

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