sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Gustaf Munch-Petersen



                                          POEMAS DE GUSTAF MUNCH-PETERSEN


O PAÍS DE MAIS ABAIXO

                        Para fannie hurst

Oh que grande sorte
que grande sorte têm
os que nasceram no país de mais abaixo –
vê-los-eis em toda a parte
vagar
amar
chorar –
vão a toda a parte
mas nas suas mãos levam pequenas coisas
do país de mais abaixo –

- - -

oh maior que qualquer outro país
mais fabuloso
é o país de mais abaixo –
a terra torce-se para cima
em ponta –
e para baixo
para fora vai caindo
o sangue pesado e vivo
e penetra no país de mais abaixo

- - -

delgados pés prudentes
e membros raquíticos
e o ar é puro
pelos ascendentes caminhos abertos –
nas veias fechadas
arde o anseio daqueles
que nasceram lá em cima sob o céu

mas oh
deveríeis ir ao país de mais abaixo –!
oh deveríeis conhecer a gente do país de mais abaixo,
onde o sangue corre livremente entre todos –
homens –
mulheres –
crianças –
onde a alegria e o desespero e o amor
pesados e maduros
resplandecem em todas as suas cores sobre a terra
oh a terra é misteriosa como uma face
no país de mais abaixo –

- - -

vede-os por toda a parte
vagar
amar
chorar –
os seus rostos estão fechados
e dentro das suas almas há terra
do país de mais abaixo –

det inderste land, 1933



INVERNO

Bramam as tormentas –
o inverno faz a sua guerra –
o mar vagabundeia
ao largo das costas –
o céu segue-o
das alturas –
as casinhas amontoam-se
assustadas contra a terra –
o gélido olho da lua
olha fixamente através do muro da noite
os homens que andam a recolher carvão –

19 digit, 193



NÃO ME FALEIS

Silêncio
silêncio –
não me faleis –!

muito muito prudentemente
devo andar,
se quero encontrar algo –
e devo andar só
se quero encontrar algo –
não encontrei nada no entanto –
não encontrei
a minha casa
o meu amor
nem os meus campos –
devem estar
lá onde eu não estive no entanto –
já caminhei muito tempo –
talvez me reste muito caminho
por andar no entanto –

e tenho que andar só
e com terrível cuidado
tenho que andar
se quero encontrar algo –
mas tenho que encontrar
um lugar onde estar –

tenho que ter um lar em algum sítio
pois sei
que tenho a minha casa
e os meus campos em alguma parte –
o meu amor não pode estar a esperar-me até sempre
já caminhei muito tempo
não me faleis –
se ainda tenho que seguir andando muito tempo
talvez seja demasiado tarde –

silêncio – silêncio!
tenho que
encontrar o meu lar –

Samlede skrifter II, 1967



UMA PEQUENA CANÇÃO

Matei o deus de mary ann –
mary ann teme o meu deus –
amo mary ann –
quando a ardente negrura me aparece defronte
deixo mary ann
ao seu amor por mim –

quando sobe o pálido sol
com os seus olhos azuis matinalmente húmidos,
volto para mary ann
com o meu amor por ela –
pobre mary ann –
e pobre de mim –
mas temos um grande coração
juntos –
mary ann e eu –

Samlede skrifter II, 1967



O MILAGRE ESPECIAL

Todas as noites estava cansado,
e todos os dias fazia o que lhe diziam –
e sem armar escândalo
chegou aos trinta anos –
e bastante só –

e uma noite não tinha sono,
e naquela noite pensou
que algo
poderia acontecer-lhe –
especialmente –

e cedo na manhã
roubou cinco libras
e apanhou uma boa borracheira
com uma mulher que conhecia –
o dia, a noite e o dia seguinte

e tarde aquela noite
detiveram-no –
em silêncio, sem escândalo –
e depois de um tempo voltou –
mas oh –!

todas as noites dormia
e durante o dia fazia o que lhe diziam –
e junto com a mulher que conhecia
chegou sem escândalo aos
sessenta anos –
quando se falava da vida,
sorria –

Samlede skrifter II, 1967



Versão minha - © Amadeu Baptista
 
 
 




Gustaf Munch-Petersen (1912-1938). Nasceu em Copenhagen, onde estudou na  Universidade daquela cidade. Pintor e poeta surrealista. Estreou-se em 1932. Escreveu os seus poemas em dinamarquês, inglês e sueco. Para defender a República Espanhola alistou-se nas Brigadas Internacionais e morreu na batalha do Ebro. Alguma da sua poesia foi publicada postumamente.

1 comentário: