sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Hjalmar Gullberg


                                             POEMAS DE HJALMAR GULLBERG


VIRTUOSO

Aconteceu em algum lugar na metade de um tempo. Do seu violino
surgia o tema com esse timbre que era o seu segredo e ninguém podia imitar.
Então ocorreu que a corda com um estremeção se partiu em dois.
Só se ouviu um pequeno golpe seco.
Mas ele prosseguiu como se nada se tivesse passado, e de uma corda mais baixa
o arco foi obrigando a sair os tens aflautados
que críamos só poderiam tirar-se milagrosamente da corda mais aguda.
E quando tudo acabado e a torrente de aplausos encheu o salão,
a maioria sabia unicamente
que tudo se havia desenrolado com normalidade, como tem que ser.

Sonat, 1929



PENSO IR-ME NUMA LONGA VIAGEM

Penso ir-me numa longa viagem,
provavelmente tardará muito a que nos voltemos a ver.
Não é uma decisão precipitada, amadureci o plano durante muito tempo,
ainda que não tenha podido falar abertamente até agora.

Juntei uma grande quantidade de detalhes relacionados com a viagem,
preparei tudo excepto o itinerário:
aonde me levará finalmente, isso tratarei de ir descobrindo
a pouco e pouco.
Parto em busca de algo em mim mesmo que nunca encontrei aqui.
Parece que me chamam da distância, lá quero ir.
Creio-me capaz de afrontar um bom número de dificuldades para
chegar à minha meta.
Sinto um grande alívio no coração, desvaneceu-se o grande peso
que me oprimia o peito.
É como se uma grande alegria me esperasse em alguma parte.

Sonat, 1929



ARTE POÉTICA

I

Assim como quando uma pedra,
uma simples pedra banal
que atiraste ao lago, se afunda e desaparece no fundo,

sobe à superfície
uma onda vibrante e em à sua volta
se forma uma séria de círculos
que se vão estendendo em silêncio ao redor do centro submerso:

assim queria eu a minha canção,
assim queria que caísse na tua alma
a minha modesta canção!

II
Para que acrediteis um estilo
não basta
nem desenterrar uns quantos vocábulos adequados de um dicionário
nem retirar o seu idioma de um singular vocabulário.

Não, só vocês mesmos, do vosso mais profundo interior,
senhoras e senhores, poderão retirar
a originalidade capaz de encher com um sentido completamente novo
os pronomes pessoais e as formas dos verbos mais correntes.

Um verso de algum salmo antigo que todos conhecem
ou o texto de alguma canção popular que todos conhecem:
aí têm algo que aprender
no tocante à questão de fazer-se entender com a poesia.

E se algum dia tomassem como modelo dos seus versos a notícia
                                               de jornal bem escrita,
talvez enganassem os que não haviam notado a intenção
                                               para que se escutasse um pouco
o que vocês tivessem a dizer
sobre a eternidade e o mundo interior.

Sonat, 1929



ÊXTASE

Então o nosso corpo terreno
já não nos obstaculizará nem molestará.
Silencioso no vestíbulo está junto à moldura do espelho
o empregado do vestiário que liberta
o senhor e a senhora dos pesados casacos.

Enquanto ele vai colocando em cinco estantes
olhos, ouvidos, língua, nariz, pele,
está a nossa alma em oração e assombro.
Brilham estrelas na rotunda azul,
onde finalmente vamos encontrar Deus.

Andliga övningar, 1932



EU CRIA NUM DEUS

Eu cria num deus mas ele não o sabia,
nunca chegou a saber que eu cria nele
muitos anos após a sua morte.
Num profundo interrogatório comigo mesmo sobre o assunto
fiquei informado da verdadeira situação.
Oh, luz de estrelas apagadas que chega com atraso
aos olhos na noite! Eu contemplei ao meu deus
tal como era em sua glória antes da catástrofe.
Nunca chegou a saber que eu cria nele
e que não sabia que ele estava morto.

Dödsmask och lustgård, 1952


MÁSCARA MORTUÁRIA

Os olhos apagados, a boca rígida
e ele tristemente esvaziado em gesso das bochechas em molde…
Com cuidado e delicadeza levantaram as tuas mãos
do meu rosto o que cria que era o meu rosto.
Protestei não me toques!
Por que andas dedilhando a um morto as cavidades dos olhos,
deixa o meu rosto em paz.
Audazes de compaixão, as tuas mãos,
sem tremer, lenta e metodicamente ergueram
do meu rosto o que eu cria que era o meu rosto,
                                           o abalo dos anos da minha solidão,
                                  a minha máscara mortuária de lágrimas geladas.


Dödsmask och lustgård, 1952



NO CEMITÉRIO DE LEMNHULT

Aqui jaz o camponês Johan Magnusson
construtor de vinte e três órgãos na diocese de Växjö.
Em vida encontrava a suprema calma junto à corrente do moinho
nas tarde de verão. Elogiava a natureza
em versos rimados, um modesto aluno
do Senhor Bispo. Também sabia fazer pigmentos
e em consequência de uma humilde proposta desta paróquia
recebeu uma medalha real pela sua pintura.
Tinha aprendido com Hörberg e do seu amigo Marcus Larsson,
o incomparável pintor dos regatos cristalinos
e muitos sustêm que na igreja de Skirö
o seu retábulo, hoje trasladado, supera amplamente
o novo, pintado pela esposa do pároco.

Nascidas para o trabalho quotidiano nos bosques e nos campos
as mãos de um camponês – por que foram eleitas?
Quem investiga por que foram eleitas?
Quando a cor do céu precisou de novos instrumentos
para mostrarem maior volume e limpeza em Småland
confiou-se essa tarefa a Johan Magnusson.
Foi ele quem encontrou o harmónio para os salmos
em que se interpretaram grande quantidade de melodias cristãs
nas escolas em prol da piedade das crianças,
e todos os anos na praça de Växjö durante a feira de Sigfrid
havia um jornaleiro a vender as suas caixas de música.
Mas na plenitude da sua vida, aos quarenta e dois anos,
o autodidacta terminou um dos seus maiores instrumentos
de que ele, o poeta, costumava dizer:
O órgão pode dizer ao coração o que não conseguem as palavras. –
E Johann Sebastian Bach fez a sua entrada em Kråksmåla.

Aqui em Lemnhult realizou a sua última obra.
Cartas anónimas de leitores do diário Triaden
tinham exigido que o sapateiro se dedicasse aos seus sapatos;
mas essa frase, por certo, vê-a melhor um construtor de órgãos
que o diz a obra aplaudida de um mestre.

Durante o curso do trabalho melhorou o provedor
com imaginativos inventos as suas criações
e o organista da Catedral escreveu após uma inspecção
que a arte das suas mãos era mais do que ofício com que ganhar a vida.
Tão pronto quanto o seu patrono no seu quarto de trabalho
entoava Fugata, Principal, Fleur d’amour,
tinham que suspender-se todas as tarefas da propriedade de Nässja
– nada devia molestá-lo excepto o canto do regato.
A prazo isso não foi bom para a agricultura.
O que constrói um órgão para a glória de Deus
deixa que os seus campos se arruínem.

Em dioceses longínquas
encontraram sustento os sucessores do multifacetado camponês.
Dos seus órgãos conservam-se alguns
após cem anos. Um soa em mim.


Dödsmask och lustgård, 1952


APENAS AS PALAVRAS EXACTAS

Apenas as palavras exactas,
palavras com folhagem e trinar
de pássaros têm sombra como as árvores.

Sombra refrescante em que fechar
os olhos, enquanto a folhagem
canta as palavras exactas.

Ögon, läppar, 1959



OLHOS, LÁBIOS

Olhos que contemplastes, grande
de assombro e íntimos.

Lágrimas que recolher. Beijos que perder.
Lábios que sabem e podem calar.

Ögon, läppar, 1959




Versão minha - © Amadeu Baptista






Hjalmar Gullberg (1894-1965) Nasceu em Malmö. Licenciado em Letras.
Estreou-se em 1927. Logo desde o início transforma-se num dos poetas mais populares do país. O seu trabalho como jornalista e director de programas dramáticos da Rádio Suécia dá-lhe um lugar destacado na vida cultural sueca. Tradutor, verteu para sueco a poesia de São João da Cruz, Lorca, Gabriela Mistral e Juan Ramón Jimenez. Foi membro da Academia Sueca desde 1940.

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