POEMAS DE STEIN STEINARR
PROMETEO
Hoje sou um prisioneiro nos cárceres do capital,
com as mãos calosas, os cabelos grisalhos.
Nenhum vivente é mais odiado
nenhum vivente morrerá de morte mais horrível.
Aqui me têm.
O meu trabalho está feito.
Mas vencerá o povo
pois entreguei-lhe um fogo
que arderá eternamente
nos corações:
O ódio ao opressor.
Ljód, 1937
CIMENTO
Construí um forte
e delimitei o meu campo
dentro da vossa vida.
Vistes como me levantava
com grandeza exaltante
dominando a cena
e gritastes:
admirável! admirável!
Um dia completarei a minha acção
endurecendo num silêncio inescrutável
nos vossos corações.
Ljód, 1937
LETRA SEM MÚSICA
Quis cantar
e era a minha voz tensa e rouca
como um ferro a oscilar
friccionado contra uma lima velha.
E voltei a tentar
e chorei e supliquei como uma criança
e o meu peito encheu-se de um canto
que não se ouvia.
E o meu peito tremia
bramindo como um mar enfurecido
e o meu sangue fervia e borbulhava
ao ritmo da canção:
o canto da vida atormentada,
enferma, enlouquecida
com a febre do dia,
e vós não ouvíeis.
Ljód, 1937
AUTO-RETRATO
Pintei um rosto na parede
de uma casa improvável:
o rosto de um cansado, de um doente,
de um homem solitário,
que olhava das paredes cinzentas
a luz esbranquiçada
um momento.
Era o meu próprio rosto
ainda que nunca o vísseis
porque pintei sobre ele.
Ljód, 1937
D. QUIXOTE
Um dia D. Quixote
selará o seu baio
e dirá a Sancho Pança:
Esse homem abastado
que assassina e incendeia
calcando com as suas botas
a terra dos pobres
deve cair
pois é meu inimigo.
Foi ele que nos seduziu
por desertos sem caminhos
e a nossa guerra santa
converteu em engano trágico
e a Dulcineia a bela
submeteu à servidão.
Foi ele. Foi ele.
E não o conhecemos.
Ljód, 1937
MAR
Caminhei sobre areias escaldantes
e o fragor dos mares longínquos
misturava-se ao rumor do meu sangue.
Parti de todos os portos
naveguei por todos os rios.
E no fundo do mar imenso
jazem a minha vontade e a minha consciência
e começo a duvidar
se o mar sou eu
ou se sou eu o mar.
Spor í sandi, 1940
FIM DO CAMINHO
Por fim após um dia pesado
termina o teu caminho. Sentado numa pedra
percorres com o olhar o panorama
um instante.
E recordas então
que uma vez, uma vez há muito tempo,
começaste a caminhar deste mesmo lugar.
Spor í sandi, 1940
PRELÚDIO
Tecei-me um manto de rosas silvestres
deixai que o vento acaricie os meus cabelos dourados
vou-vos encher o coração de cálidos aromas
e de um sol risonho.
Criatura, sou o teu Deus,
a tua tristeza será
a flor mais branca, a obra mais perfeita
que cingirá o meu rosto.
Spor í sandi, 1940
ASFALTO
Sob centenas de ferrados tacões
vi-te nos meus sonhos
a passear numa tarde de Outono
a tua dor silenciosa
com os teus gráceis passos
pelo escuro caminho
com os teus gráceis passos pelo único trilho
e sabes que te amo.
Spor í sandi, 1940
POEMA
Nada se salva, tudo, tudo morre
desmorona-se e deixa de existir.
Vã é a tua vida, pobre o teu saque
e o fim como se nada tivesse sido.
Como pó limpo de um vidro
são a tua alegria e a tua pena agora.
O teu rosto é uma máscara translúcida
que deixa ver o nada e o vazio.
Spor í sandi, 1940
SANGUE
O teu sangue flui cego, lento, exausto,
atrás das tuas obras, sonhos, pensamentos
misterioso e calado. E é a noite
morte em amanheceres de mil séculos.
A distância sem caminhos vela misteriosa e muda
e sabe da tua amarga e triste sorte:
o teu sangue, e o de todos, jovem, cálido,
vertido inutilmente aqui na areia.
Spor í sandi, 1940
FORA DO CÍRCULO
Caminho em círculo
em volta do que existe
e dentro desse círculo
está o teu mundo.
A minha sombra reflecte-se
no vidro.
Caminho em círculo
em volta do que existe
e fora desse círculo
está o meu mundo.
Ferd án fyrirheits, 1942
O TEMPO E A ÁGUA
(quatro fragmentos)
O tempo é como a água
e a água é fria e profunda
como o meu ser consciente.
E o tempo é uma imagem
que pintamos a meias
entre a água e eu mesmo.
E tempo e água
correm até esgotarem-se sem caminhos
dentro da minha consciência
* * *
O sol,
o sol esteve a olhar-me
como mulher esbelta
de sapato amarelo.
A minha fé e o meu amor
dormiam no fundo
como flor bicolor.
E o sol pisou
– sapatos amarelos –
a flor na sua inocência.
* * *
Diáfana e alada
vence de novo a água
a sua própria resistência.
Esse magma avermelhado
que fugindo me precede
não leva a nenhum rumo.
Sob os lábios cruéis
da matéria ardente
brota uma flor letal.
Num rectângulo
entre cone e o círculo
cresce a flor branca da morte.
* * *
Eu era um rosto abatido
olhar azul profundo
era uma mão branca.
A minha vida deteve-se
igual a uma moeda
deixada a um canto.
E o tempo esfumou-se
como cai uma lágrima
sobre uma mão branca.
Tíminn og vatinid, 1948
CHEGADA
Islândia, meu sonho, minha ânsia, minha dor
minha fraqueza e, à vez, minha força.
Este deserto alado de imensidão azul
ainda vive, está desperto.
Sim, este é o meu lugar, a minha vida, o meu destino,
inclino-me perante a minha herança e a minha nação,
guardada estultícia, desonra engalanada,
minha vergonha, minhas lágrimas, meu sangue.
26-5-1954
Versão minha - © Amadeu Baptista
Steinn Steinarr (1908-1958) Foi o pioneiro da lírica modernista na Islândia. O seu primeiro livro, dos cinco que publicou, data de 1934. Destaca-se a originalidade das suas imagens e a sua visão do homem num mundo sem Deus, sem objectivo e sem sentido.
Creí que lo había leído pero no. Lo acabo de leer ahora. Duelen algunos de sus versos.
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