quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Rabbe Enckell



                                                  POEMAS DE RABBE ENCKELL


Tinha uma flecha,
mas jamais encontrei arco para a lançar.

Então tomei a flecha e atei-a a um ramo
de uma planta jovem
para atestar o seu delicado lançamento
em direcção à luz.

Dikter, 1923


A primavera está sentada atrás de uma pedra
com neve na sombra.
Silva com uma dura folha de erva na boca
tão penetrantemente
que a cochonilha pergunta à formiga quem é,
tão penetrantemente
que os mosquitos começam a dançar sobre o pântano!

Flöjtblåsarlycka, 1925


Resplandecem sol e primavera,
Estou na cama.

Sol e primavera.
É como se alguém me estivesse esperando
não sei onde na distância.
Sol e primavera.

É como se alguém me estivesse esperando na rua do lado
com esperança e fé.

É como se alguém, alguma coisa,
não sei onde, aqui, ao lado da porta,
junto à minha cabeceira
quisesse alcançar-me na sua necessidade e angústia.
Sol e primavera.

Flöjtblåsarlycka, 1925



Tu e eu,
estamos sentados, enrolados como pinguins
num bloco de gelo
que anda à deriva por um deserto
oceano.

Um dia,
quando o gelo se tiver derretido,
quando as nossas almas congeladas de realidade
se tenham fundido
ao ígneo resplendor do sol que se aproxima,
derreteremos
ou voaremos!

Flöjtblåsarlycka, 1925




Ali está, um ouriço sobre pedras escorregadias.
Será uma tarde pesada
sobre pesados muros de pedra.
Junto a eles caminham os homens
vestidos de negro.
O próprio ar, uma grade de ferro.

Aí anda, um ouriço.
Os homens notam os seus agudos picos,
mas não sabem que os picos são como a seda.
Tão indefeso!

Eles notam: um animal longe do bosque.
Lá pode defender-se,
aqui não!

Agora ele vai arrastando por todas as ruas
uma angústia palpitante
com os suaves picos de dor às costas.

Flöjtblåsarlycka, 1925



A primeira vitela do verão olha para a terra com olhos brilhantes.
Nos seus grandes olhos negros nadam as nuvens e a espuma da
    impetuosa corrente
e o incolor mosquito da primavera foge da verde folha da
    bétula a reflectir-se neles
como se fossem águas cegas do bosque.

Vårens cistern, 1931


Ris-vos
dos meus pequenos poemas fósforos,
A sua inocuidade converteu-se na intriga das pessoas.
Mas é melhor ter uma caixa deles no bolso
que dormir com dez extintores de incêndio em casa.
Contentaram-se com
iluminar-me intensamente o rosto ao acendê-los
- e apagar-se.

Vårens cistern, 1931



MINIATURAS POÉTICAS

O orvalho da manhã depositou pequenos pesos
no cálice da alquemila – reina o equilíbrio.
Com trémulas lâminas controla a erva
o peso de cada gota.

Mas o sol toca com o seu dedo o orvalho e logo não resta nada.
E as ortigas da vala sabem muito bem
que o peso do orvalho não é mais do que a obra de um desajeitado
ao lado do imenso rio de Pernambuco.

Vårens cistern, 1931



A massa ensolarada
da Acrópole
não me assusta.
Eu vi
o celeiro cinzento
das colinas finlandesas,
as suas proporções
de templo
sem peso
levantar-se
até à extensão sem fim
do céu primaveril.

Vårens cistern, 1931



Poesia: uma risonha praça –
Aqui se libertaram as rosas da coação
mas com o odor de algum abismo
uma alma fugitiva entendeu-a.

Valvet, 1937



O mar dá voltas às suas recordações,
até que resplandecem luzidias:
e no entanto significam muito pouco.
Porque o mar é ele mesmo uma só
grande memória
um só grande agora.
Por isso: exige da frase
o suave brilho aveludado da folha perfeita
ou obriga-a a adquirir a forma de uma protuberância na rocha.
Que felicidade nada recordar
nada! E no entanto ser um testemunho
de alguma coisa passada – um testemunho da audaz linha
do rosto, da emancipação da mão,
na reserva da boca – um testemunho na voz.
E o que disseres é indiferente
como a casca de ovo partida no ninho abandonado.

Andedräkt av koppar, 1946



Só há uma verdadeira felicidade:
fazer-se mais consciente do seu próprio destino.
No inferno existe essa felicidade que irradia
um atónito resplendor em torno dos condenados.

Sett och återbördat, 1950



Para o velho pode ser um consolo
olhar-se na fonte da juventude
Quando alguém se vê nela
vê muito mais do que ela.

Flyende speget, 1974



A imagem também tem uma origem
No espelho mais além do reflexo
A luz cria uma origem
e a luz cria o espelho.
A escuridão – cria a luz?

Flyende speget, 1974



Perdido fio de Ariadne
O labirinto será eternamente o teu mundo
No final de tudo continuará a ser entrada
e a noite é a morada do universo.

Flyende speget, 1974



Quando te fazes velho
                    os dias fundem-se em um
e contas só com o tempo
                    que há sempre
enquanto vives
e o mesmo vento corre em todas as árvores
e o que vês é ao mesmo tempo
algo que recordas.

Flyende speget, 1974


Versão minha - © Amadeu Baptista
 
 
 

                                                                    Foto: © Amadeu Baptista
 
 
 
Rabbe Enckell (1903-1975). Nasceu em Tamela. Pintor, poeta, crítico de arte e de literatura, ensaísta e dramaturgo. Enckell forma com Edith Södergran, Diktonius e Björling uma geração poética que teve uma enorme influência na poesia finlandesa e sueca contemporânea. Recebeu o prémio Bellman em 1956.

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