sábado, 28 de setembro de 2013

Jens August Schade

     

                                             POEMAS DE JENS AUGUST SCHADE


MULHER

De ouro e fogo é a festa do meu pensamento
por que há medo no teu coração?
atrás dos teus seios crescem flores
cheiras a maçãs e eternidade.

                Den levende violin, 1926


O MEU JOVEM AMOR

O meu jovem amor deixou-me só não recordamos
como
como um barco deslizando para um horizonte azul
como uma nota que vai morrendo assim desapareceu ela
e o sonho abateu-se sobre mim e a terra fez-se distante
como um harmonioso globo de prata
mas apareceste-me em sonhos
a tua voz uma chuva refrescante
a tua boca uma fruta madura para ser comida
feita para um homem esfomeado
lembro-te triste e consoladoramente como uma canção
de pássaros e árvores

existem mulheres que amam a um homem
da mesma maneira que comem uma iguaria ansiada…

                Den levende violin, 1926



A MINHA CANÇÃO

A minha canção sussurra na chaminé
a minha canção está em todas as partes
vagabundeia nocturnamente
tem ligações com as sombras


uiva pelos cantos da casa
e encontra-te como uma imagem
inesquecível do teu espírito nómada

as noites são um torvelinho de neve
o frio chora
o silêncio beija

a minha canção corre pelos caminhos
os postes telegráficos sabem-no
prodigalizam canções de amantes

o clima é meu
somos um
as noites de tempestade
o nosso amor é grande

múltiplas são as nossas carícias
e deliciosas oferendas
o mar tempestuoso
é um eco do meu sangue em ebulição

a minha mulher é ardente
e entrega-se
como a minha canção

                Den levende violin, 1926



NO CAFÉ

Uma formosa canção
um pequeno milagre gracioso,
destila o fonógrafo
enquanto eu estou calado.
E perante o assombro de todos
tiro a cadeira de debaixo de mim
e fico-me sentado no vazio.

Diante de mim está uma rapariga
de dentes feios
e olhar esquivo.
Está calada
– Os dois sabemos
o que sente um no interior do outro
e com força de leões beijam-se as nossas almas.

Ela eleva-se pelo ar
e eu também,
suspensos sobre as mesas
fazemo-nos amigos.
E acompanhados de estrondo e aplausos
por cima do milagre da canção
entrelaçamo-nos
e saímos do café a girar em carrossel.

                Hjerte-Bogen, 1930



DEUS CHEGOU Á CIDADE

         Fragmento

É porque estou na Dinamarca que tenho o aspecto que tenho.

É o trajecto da minha lua por cima da Dinamarca que faz
resplandecer assim o meu rosto!
É o mau amor pela lua que faz que eu dê luz aos seus raios,

é o meu amor pelo amor o que faz que eu escreva poemas sobre ele!

É a minha nostalgia infinita de outras latitudes que faz que o meu coração
estremeça de alegria por ter nascido aqui onde nasci!

É a força em tensão do meu claro espírito o que faz que possa
imaginar o globo terrestre e manter-me em equilíbrio sobre ele!

É o poder que sobre mim tem o meu globo o que faz que eu o domine
– e muito mais do que isso.

_ _ _

Nada me é mais fácil do que mantê-lo abraçado à planta dos meus pés

e de o abandonar de um salto – e para ele, por sua vez, de juntar-se comigo
de um salto para abraçar-se estreitamente a mim –

escutai, como oscila a rua quando caminho por ela!

Não pode prescindir de mim e abraça-se a um dos meus pés tão prontamente
quanto me distancio com o outro!

Oh, isso é o delicioso da terra, que ama os seus filhos e não os deixa
afastar-se dela –

amo-a, porque tem uma cabeça dentro da que em que me encontro –
e essa cabeça parece-se com a minha a julgar pelo que se vê no espelho!

_ _ _

É porque nasci na Dinamarca que tenho o aspecto
que tenho – não poderia ser de outro modo,

é porque nasci na Dinamarca que a minha mãe me mandou
pelo mundo para que modestamente o olho e fale dele como
poeta!
É porque nasci na Dinamarca que escrevi o que escrevo os poemas
que escrevo! Não poderia ser de outro modo!

                Jordens ansigt, 1932



NEVE

Olha, por fim chegou a neve,
e eu que acreditava que não íamos ter neve,
e agora parece realmente que vamos ter
                                         uma considerável quantidade de neve
sem que passemos a vida pensando na neve,
                                         sem que caia um floco.

Também o ar tem neve dentro,
está como que carregado de neve,
talvez haja uma grande tempestade de neve ao longe,
é como se alguém a sentisse dentro de si mesmo,
sem na realidade nada saber,
excepto que vem e então a poderá ver.

Estive o tempo todo à espera da neve,
é divertido que tenha chegado.
Sim, agora está ali mesmo
olha-a, que branca que é,
como esta neve me faz feliz,
eu acreditei todo o tempo, realmente, que ia chegar.

E então ela aparece de repente
é divertido que venha assim, inopinadamente,
sem que faça nada para o conseguir,
eu não sei se a arrebatou o ar,
veio assim por sua conta.

                Kœllingedigte, 1944



NO CINEMA

Nós, dois delinquentes que gostam de ir ao cinema
enquanto milhares de pessoas trabalham com gás e marmelada
e coisas curiosas como formulários de declaração de impostos e outros,
sentimo-nos à vez como gangsters e reis,
quebrando, dessa maneira, as regras do mundo,
ali sentados soprando-nos mutuamente nos ouvidos e fazendo coisas
    estúpidas
no cinema, olhamos as imagens
e toco-te as pernas debaixo do vestido,
pões a mão no meu braço e olhas romanticamente o tecto do salão
enquanto as imagens vão passando e se tornam estranhas,
ágis no corpo, e fazem outras coisas,
enquanto o mundo se arrasta ali em cima no cenário,
fechamos os olhos e pensamos noutras coisas, enquanto se beijam
um contido beijo de cinematográfico ali em cima, que nos afecta
profundamente pela sua inocência, também pela sua alma pura,
porque é ficção. É absolutamente falso
pagam-lhes para aquilo, ganham dinheiro daquela maneira,
enquanto nós estamos sentados e folgamos e o fazemos
    de verdade,
nesse sentido somos delinquentes num mundo atarefado, uns beijos
    mecânicos
propiciam-nos a grande inspiração
para um espectáculo autêntico em casa no nosso
    pequeno teatro selvagem.

                Helvede opløser sig, 1953



UM MORANGO

A misteriosa sensação secreta
de sentir um morango na boca
nunca se poderá comprar com dinheiro.
Não se conhece a razão
mas um morango fazer com que a alma
se ponha de vermelho vivo, até ao fundo.

Este morango, deram-mo esta manhã,
faz-me tão faliz
que ouvi o espaço celeste falar

a coisa mais deliciosa que saboreei.

                Schades højsang, 1958


Versão minha - © Amadeu Baptista


Jens August Schade, nasceu em Skive, em 1903. Fez breves estudos universitários, entra vida de grande boémia. O seu livro de estreia é de 1925. É um dos renovadores da poesia dinamarquesa do séc. XX. Além de uma abundante obra poética, escreveu romance e peça de teatro que indignaram a burguesia pelo seu conteúdo erótico. Faleceu em 1979.

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