segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Katarina Frostenson



POEMAS DE KATARINA FROSTENSON



Não
não comeces não comeces agora, de novo
não comeces a encerrar mundos em espartilhos; com cordões de palavras
ata, determina, torce palavras
até que os poemas caminhem por si mesmos com os pés para dentro;
        animais guias, animais preguiçosos
eternos, divididos, Escrita poética
em linhas, radículas com velho odor a alce
limpas, polidas
mundos fechados – tiques
velhos tiques hediondos – não não comeces –

            Den andra, 1982


FOGOS VERDES

O caminho está limitado por espelhos cobertos
o campo resplandece apagado:

Três remendos negros, y um verde
uma pegada fresca na minha alma

Paragem de distância O desejo
é o meu pensamento

O céu estende o seu lenço cinzento
arde um fogo junto ao meu joelho

movimentam-se umas lebres entre as espigas


I det gula, 1985


O ODOR DE GENET

Hoje: o odor de Genet,
não o amarelo, crescente:
o cinzento, traças
e rosas
Rosas cinzentas, escassas
densas Um rosto gasto até à aspereza
estala em canto A pedra
A canção alta
a canção surda
sem palavras; a formosa canção
sem sentido: levanta pedras, por nada
cansa-te
até ao limite
Orelha de elfo, pontiaguda
saliente
coroada, como um anel
em volta de músculo, de vozes de mortos
Folhas de cor lilás
rígidas Tudo isto
existe, por si mesmo
estende-se sem mover-se
como círculos na água, a voz
que atravessa de lado a lado
e continua vendo
O odor no corredor, junto ao coração
o cinzento
o odor do quarto
Atrás das portas, fechadas
risos Pequenos
meninos ínfimos a quem puxaram o cabelo curto
jazem na erva
Erva calcinada, incolor
Sexos pequenos, puídos
Corpos fortes,
curtidos pela dor
Tudo isto existe, existe
para ser usado
e voltar a usar
Emerge
Absolutamente imóvel
Estende-se Não
termina nunca Martela Apalanca
Escava
Da minha garganta sai rindo-se
uma voz  rio-me
no eco da minha voz
não me acabo nunca –
Ponte a ressoar
em mim, ressoa sou
a minha voz, finalmente
a minha voz final


Samtalet, 1987


LEONCE

«a minha cabeça é um salão de baile (abandonado)»

Caminhas com a tua grinalda de flores
caminhas com a tua formosa cabeça
como sangrentamente ferida
e resplandeces da música da tua face
Sai um rumor de abismo da nuca
soa como rumor na tua mente –
ou águas freáticas
fluem obscuros tons da abóbada que não podes ver, nem alcançar
só ouvir
e tudo arrastada a ressonante distância
mas a face está sempre limpa, branca, aberta e redimida de pecado
tu – sonhas
por quê tão triste, Leonce
cantam e dançam no salão

Joner, 1991


Versão minha - © Amadeu Baptista

Katarina Frostenson, nasceu em 1953. É a autora mais reconhecida da sua geração. A sua poesia caracteriza-se, desde o seu primeiro livro, por uma arrojada renovação formal, em busca de uma expressividade singular, em que a musicalidade desempenha um papel decisivo. Escreveu teatro e é traduziu alguma literatura francesa. Em 1992 ingressou na Academia Sueca.

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