O abecedário treme, escuramente.
A palavra faúlha é obscura.
De abismo em abismo cada letra
é o infrene flagelo da procura.
Eis como algumas voam como hastes
e penetram a carne, golpe a golpe.
Irrompentes, emergem e claudicam
para que não baste, ainda, a clausura.
Alguém as escreve, alguém as vê
e sente o alarido do seu silêncio vasto,
a cabeça com brilhos animais
que rebentam com tudo o que há no mundo.
Nem sequer são punhais, apenas crina
de um cavalo feroz e transparente
que o áugure sofre, toma e aglutina
aos casulos mortais da impaciência.
No seu destino ardem, como facas
de luz nas superfícies brancas,
um silvo ágil na sombra das espiras
que marca sobre o fogo a distância
que vai da alma ao espírito em lenta progressão
sobre as coisas infinitas, as tensões,
a pura perda, o rasgão no peito,
o escrutínio fenício do poema.
in Dez Poemas Inéditos para António Ramos Rosa, Edições Asa (FM), Porto, 2004
Desenho de António Ramos Rosa
Um belíssimo poema Amadeu Baptista
ResponderEliminar"que vai da alma ao espírito em lenta progressão"
Vou levá-lo para a página dedicada ao poeta no FB se não se importar
https://www.facebook.com/groups/camposonho/