POEMAS DE VÄINÖ KIRSTINÄ
Quando
voltámos a casa
e nos
inclinámos sobre a mesa do quarto
e vimos
os simples veios da madeira
o
cansaço transformou-se em conhecimento
sobre a
necessidade da viagem
do seu
sentido:
regressar
e ver a mesa da nossa casa,
os seus
desenhos ainda por cartografar
Lakeus, 1961
Ontem à noite permaneceu desperto até que chegou a rapariga
e construiu com palavras uma jóia, o pobre.
Com que cerimónia pensava oferecer-lha,
como se iam ornamentar mutuamente
a jóia e a rapariga.
Mas chegou a manhã
e permaneceram em silêncio.
Lakeus, 1961
QUEBRAR-SE
Quando as formas se diluem,
separam-se os homens, animais e plantas,
a ordem cai, é tempo de ressaca
e o adeus chega,
tu sabias esperar tudo diferentemente dos animais.
E hoje já te lamentas:
é duro, é difícil.
Só é o lugar que desconheces, e a hora,
podes aguentar muito tempo
ou quebras-te como um cântaro, uma janela, um coração.
Puhetta, 1963
CAMINHANTE
Quando caminhas estão todas as luzes vermelhas e o tráfego
é um caos. O guarda-chuva balança ao compasso do ruído
dos teus tacões. Nos
teus olhos cabem a abelha rainha e a cidade,
a fímbria das folhas sorriem ao vento.
As sombras, frescas, inclinam-se sobre o verdor das árvores.
A gaivota voou para o trovão, a pérola estabelecia o coração
do verão
e eu escutei o último verão e escrevi na margem de uma
nuvem,
dobrei a língua num gancho e calei-me,
chegou o outono, as noites cheias de ti e limpidez,
outono, límpidas são as maçãs e as noites,
em breve lubrificará a neve embriagadora,
na tília negra
azul vazio, não apenas as noites mas os dias cheios,
agora inclina-se a terra verde, silêncio e pulsações na
profundidade do húmus.
Luonnollinen tanssi, 1965
A sorveira chamou à janela com dedos verdes
e escutou com os ouvidos as folhas.
Eu pensava na nossa alma imortal,
bebi vinho e fundi-me sem o meu eu com o Espírito,
esqueci o bem e o mal.
Um anjo desarrolhou-me uma garrafa de vinho que tirou de uma
maleta,
cantamos como cucos até que adormecemos e em todo esse tempo
pareceu-me que eu era um despertador,
esqueci-me dos piolhos do tempo que me devoram
e do meu público finlandês.
Comi uma boa quantidade de lixo lírico
e de novo voltei a pensar na nossa alma imortal,
nos nossos irmãos cristãos que encontrei mais acima
no resplendor lunar de Saturno.
Adormeci no tapete com os pés nas constelações
e o copo sussurrava-me sem cessar toma outro
e a dormir pensei no que seria isso da propriedade colectiva
das esposas
e nos amigos mortos e no xadrez que jogámos em casa,
montei um cavalo alto
e lavaram-me com álcool por dentro e por fora.
Luonnollinen tanssi, 1965
Quando a corda
realmente
se acaba
e tudo se gastou
que
mais se pode
estropiar?
O extravagante
começa a procurar. O
quê?
Os seus deuses?
Talo maala, 1969
Dois meses estiva a repará-la,
a casa já tem melhor aspecto.
Ficará bem?
As formigas têm o seu formigueiro sob o vestíbulo,
trepam pela macieira, têm pulgões,
a pintura cheira.
Uma abelha mete-se zunindo na parede.
Lá há um ninho.
Velei toda a noite,
levei os livros para o armário,
aqui começa-se de novo.
Sou velho,
os conhecimentos aumentam, a vitalidade diminui,
há demasiadas coisas,
faço um pequeno entalhe na árvore.
Talo maala, 1969
ROSA E MAÇÃ
Sob a roseira puseram um velho calendário e por isso
floresce
a planta no S. João, que é festa
móvel.
Sob a macieira enterrei uma carpa bichenta, para que não a
comesse o gato.
A rosa e a maçã gostam muito dos despojos do carniceiro.
Dai à rosa sangue e vereis como floresce.
Talo maala, 1969
Durante
estes anos é
como
se alguém se precipitasse a olhar
quando
acabasses de escrever a primeira letra de um poema
e
te perguntasse por quê e o que vais dizer,
por
quê, com que finalidade?
para
que grupo social?
e
tivesses que responder, antes de continuar.
Elämä ilman sijaista, 1977
Dia
vazio, saio para um passeio,
ocioso, desnecessário, estéril,
sem propósito fixo, apenas para me movimentar,
e
ando sem ver nada novo,
vi tudo antes
e
não tenho nada que dizer,
excepto
morte e inferno,
e o florescente verão à minha volta,
trevo
vermelho, trevo branco, prados de ranúnculos,
a
menina dá com a cabeça numa pedra, levo-a ao médico
o
comprador do apartamento pede-me um desconto de 2.000 marcos,
aceito
e
não tenho nada que dizer
encontro morangos silvestres, um cantarelo
e as nuvens.
Hiljaisuudesta, 1984
Que
dizem, quando tudo o que fazes é estar santado a pensar?
Que
não és um bom cidadão.
E –
todo esse trabalho que fica por fazer, enquanto estás sentado?
Agora
estás concentrado nele.
Em
quantos assuntos podes pensar à vez?
Por
quantos rails podes rodar à vez?
Hiljaisuudesta, 1984
Versão minha - © Amadeu Baptista
Väinö Kirstinä (1936- 2007). Nasceu em Tyrnävä. Licenciado em Letras, foi
professor de finlandês. Trabalhou como dramaturgo na secção de ‘teatro’ da
Rádio Finlândia. Tradutor de Breton, Baudelaire, etc.
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