POEMAS DE KJELL HEGGELUND
DESCULPAS
Tu não podes exigir-me
ouro nem plumas nem estepes infinitas
em troca eu tenho muito que te ofereça:
perdão, desculpas, etc.
e quando tudo isso se tiver gasto
uma nova ronda:
perdão, desculpas, etc.
assim é que já vês
que não posso oferecer-te grande coisa.
Reisekretser, 1966
INSUFICIENTE
Como se eu não tivesse suficientes sonhos
para colorir uma cidade a ponto de despertar
Como se não tivesse suficiente vontade
para tirar brilho dos passeantes
Como se não tivesse suficiente desprezo
para aplaudir a todos e a cada um deles
conferencistas que escutei
Como se não soubesse
que isso não é suficiente
Como se não tivesse claro
que também se necessita de vontade de sobreviver
Reisekretser, 1966
EXPLORADOR
Equipado como explorador
atracção absoluta da aldeia
objecto de censura, estímulos e comentários
mais ou menos sólidos
Os piores os graciosos,
os humorísticos
que entornavam a parte traseira do seu sentimentalismo sobre
mim
explorador desamparadamente equipado
cansado com censuras,
estímulos e comentários
Deveria exigir poder, cópias, certificados
autorização, testemunhos
Eu mesmo deveria ter censurado, estimulado, comentado
para que serve um explorador?
Mas esta maldita comichão na nuca, olhos, pescoço
(para não falar da parte de trás)
intervém como elemento perturbador de propósitos,
jeito e sentido comum
Estás com um sorriso e um modo
tão totalmente explorador
como se pudesse ser
Reisekretser, 1966
TOLERÂNCIA
Os teus deuses não são os meus deuses
A tua verdade não é a minha verdade
A tua solidão não é a minha solidão
Mas também a tua solidão tem o seu valor
Também os teus deuses estão contabilizados
Também se contará com a tua verdade
Assim é e não desesperes
I min tid, 1967
EXPECTATIVAS
O silêncio derrete-se na
noite
Em breve todos os sons
Amanhecerão
Em breve recolherás tu mesmo
o doce fruto da manhã
I min tid, 1967
ENTRE NÓS
Entre nós não há ninguém
que te veja Connosco
podes sentir-te
seguro Entre nós não incham
as mãos de ninguém Connosco florescem
luzes brancas Entre nós estarás
a salvo das sombras
Connosco encontram-se o vento
e a chuva Entre nós
as noites repartem-se igualmente Connosco
convocam-se as corujas Entre nós
cumprirás o teu dever Connosco exigem-se sorrisos
mais do que palavras Entre nós
há muitos que acreditam
I min tid, 1967
TUDO TUDO TUDO É POSSÍVEL
Tudo tudo tudo é possível
tudo é possível tudo é
possível eles compreenderam tudo
é possível agora tudo pode
acontecer Tina nem tudo
nem tudo Bernhardt tu
não lhe disseste tudo a ela
é possível agora tudo
pode acontecer Tina isso
sabe-lo tu também por que
não por que por que não
Contamos até zero?
Punkt 8, 1968
AS GRANDES PALAVRAS
Deixei as grandes palavras atrás
de mim. Deixei as grandes palavras atrás
de mim. As grandes palavras vão-se fazendo
palavras cada vez mais pequenas diante de mim
As grandes palavras eram suficientes nos meus tempos
As grandes palavras proporcionam um rumo seguro
enquanto desaparecem
Punkt 8, 1968
NÃO RESTA NADA JÁ
Não resta nada já da noite
Os que depositaram a sua confiança no sol
ficaram desencantados Eu mesmo falo
da primavera como se nada tivesse acontecido
Não sei se por isso
tenho mais sentido da realidade que outros
Punkt 8, 1968
UMA MANHÃ HAVIA GUERRA
Uma manhã havia guerra. As pessoas saiam
para os terraços para ver os aviadores
que voavam tão baixo que podiam ver
Que nós os víamos. (Eu tinha desejado
muito tempo ver um aviador vivo)
Punkt 8, 1968
JULHO
Estar morto é melhor
que estar sentado a olhar o mar
ainda que isso também seja belo escreveu Alf Larsen,
um dos grandes poetas do mar.
Outros tiveram a mesma sensação.
Talvez por isso muitos dizem que sentem
muito próxima a eternidade quando lêem
poemas dos poetas do mar?
Não creio que ninguém sinta
a proximidade da eternidade
quando lê jornais.
Mas são jornais o que as pessoas lêem
também no verão, que é o melhor tempo
que temos. É quando podes
ir de férias – para o mar, ou para
as grandes cidades e passear por lá
e pensar no contente que estás
porque existes
e que é uma sorte que não
vás viver eternamente.
No diário Dagbladet,
16-8-1969
Versão minha - © Amadeu Baptista
Kjell Heggelund (1932). Nasceu em Hamar. Licenciado em
História da Literatura, professor universitário. Autor de numerosos ensaios e
antologias de poesia. Tradutor de Éluard e outros surrealistas franceses.
Co-director da revista Vinduet. Director
editorial.
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