sexta-feira, 16 de maio de 2014

ELSA GRAVE



POEMAS DE ELSA GRAVE



Proteger-me
sob a tua couraça,
frio que reluzes na neve
e endureces sobre a água,

assim como o lago gelado
abraças folhas de nenúfar
e peixes,
abraça-me tu também a mim,
deixa-me descansar em ti
como num estojo transparente,
rígida e dormente

mas não me abandones nunca
por uns pujantes raios primaveris,
frio,
protege-me
para sempre
sob a tua dura couraça

Som en flygande skalbagge, 1945

EMBRIAGUÊZ  DE CISNES

O mar encrespou-se
e dois cisnes brancos
saíram a nadar para o acalmar
largos instantes permaneceram à sorte
e silenciosos na sua brancura
levaram a sua calma
sobre a crista das ondas
como frescas carícias.
Cresceu a escuridão sobre eles
e as nuvens turbilhonaram
e desceram
como um celeste rodovalho
até aos cisnes
e sugaram-nos
vorazmente
até que resplandeceram
acima das nuvens
como uma lua gémea
no seu fechado pátio
embriagada pela brancura dos cisnes

Isdityramb, 1960



ENQUANTO CHEGAVA A ESCURIDÃO

Enquanto chegava a escuridão
estava a lua esperando
 a lua estava silenciosamente armada
a lua esperava sem respirar
e eu perguntei
se à lua lhe agradava brilhar
ou se era por necessidade
perguntei
e a escuridão chegou
quando me voltei
um resplendor ensombreceu
o bordo da escuridão
e atrás de mim
parou a lua
parou a escutar.
Eu estou ligeiramente armada
esperando sem respirar
e a lua parou
e na escuridão diante de mim
perguntou-me alguém
se gostava de viver
ou o fazia por necessidade
Logo caiu o silêncio

Höstfärd, 1961



Duro é o homem
que aguenta a sua própria vida
e a sua própria morte
 que nunca chega ao limite
do insuportável

O repugnante
nunca basta ao seu asco
a morte não basta
para que se deixa matar
grande é o homem
e cruel na sua força
para suportar a sua própria vida

Hungersöndag, 1967



Não procures o tormento
numa imitação do sofrimento
alivia o tormento a dor
o sofrimento
afasta-te da compaixão lacerante
que parasita
a costa do sofrimento de outros
agora e desde há 2000 anos –
Procura remédio
alívio
não saias
a buscar o sofrimento
para sofrer e suportar
um sofrimento
em honra de alguém
não há qualquer dor
que mereça loa e honra
apenas aniquilação
é o que merecem o tormento e o sofrimento
todos
os que estimulam
ao sofrimento físico
contribuem para
a auto-destruição
a ânsia de dor
que esquece
o mundo exterior
encapsulado nas suas ameaçadoras
trevas
A ânsia de morte
é uma das vozes
a mais importante
e mais estridente na fuga para a auto-destruição
que o homem vocifera
em auto-aniquiladora embriaguez

Slutförbannelser, 1977



ANTI-ESPELHISMO

A vingança do mundo
e a morte das moléculas
fundem-se
nesta poderosa radiação
que se conseguiu construir
para que os homens
aniquilem os homens
e às suas respectivas nações
ninguém sabia a pesar da omnisciência
o que apareceria
nova vida
 vida
nova negativa
que com a velocidade das trevas
que é dupla
que com a velocidade da luz
se propagaria
pelo espaço
deslocando leis invisíveis
e ritmos inexplorados
Mas a inalterável lei
que a inescrutabilidade do sentimento
compreende
essa não pode perturbar
o homem:
Que cada vez
que matava o mal
matava também
o que mais amava.


Slutförbannelser, 1977


Versão minha - © Amadeu Baptista







Elsa Grave (1918-2003). Nasceu em Norra Vran (Escãnia), no sul da Suécia. Estudou arte e foi pintora. O seu primeiro livro de poesia data de 1943. Além de poesia, escreveu teatro e romance. É considerada como membro destacado da ‘geração dos anos quarenta’. Pela sua obra poética recebeu, entre muitos outros, os prémios Carl Emil Englund e o Bellman.

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